segunda-feira, abril 11

O feitiço da máscara

“Cada um sabe de si, Deus sabe de todos”, mas para o Bernardino o ditado não confere, mais certo é que mesmo o Altíssimo às vezes perca o rasto da Georgette, filha única e menina dos seus olhos. Ele próprio, no seu dizer “um pai moderno, aberto a tudo” há muito deixou de lhe perguntar o que faz, por onde e com quem anda, se ainda mora no Areeiro, que emprego arranjou para levar semelhante vida.

Incomoda-o o tom das perguntas que um ou outro amigo lhe faz, pois não consegue compreender se é legítimo interesse pelo bem-estar da filha, ou se há ali mal disfarçada ironia.

Recorda ter ela uma vez contado que a firma era do turismo, daí o ir muito ao estrangeiro, tudo pressas, e nem sempre poder avisar a tempo. Ouvindo isso, que faz um pai viúvo com uma filha que, sem desprimor para as que o são, antes se diria cigana do que nascida de mãe madrilena? Aceita, não repreende, tanto mais que a meio dos vinte parece um potro que nunca viu selim nem aceita rédea.

Porém, seria injusto esquecer o seu carinho e gentileza, as atenções que lhe traz, como no Verão uma máscara da Indonésia. Contou ela que as usam lá nos teatros, festas, e ao que parece também em bruxarias. Esta, com duzentos e tal anos, teria pertencido a gente nobre.

Agradeceu, mas o que o incomoda agora é não saber como se vai livrar do mostrengo. Olhos salientes como bolas de ping-pong, a dentuça arreganhada, barbicha de espírito maligno e o vermelhão das faces, embora feita de madeira leve e macia quando lhe toca sente nojo, parece pele de gente morta.

Não sabe explicar a aversão que lhe causa, mas no mês passado calçou umas luvas antes de lhe pegar e levou-a para a cave.

Desde então tem sentido umas ouras, tropeça, vê o tecto rodar. Disse o médico que é dos ouvidos e passa. Não acredita que passe, mas envergonhou-se de lhe contar do que desconfia.