segunda-feira, maio 10

Sedução

"Agarra-me o braço e mantém-me preso, espera, espero também, o arquejo a trair a minha excitação. Aproxima-se centímetros, o nosso bafo a misturar-se, eu imóvel, resistindo à hipnose e ao frémito dos seus lábios.

Durou uma eternidade o que foram segundos, mas por fim, sentindo-me ridículo, travo o desejo, aceito perder e recuo, desprendo-me dos seus dedos e dos seus olhos.

Ela continua a encarar-me, a expressão do rosto mudada para um sorriso fugidio. Já não a vejo tensa de expectativa, mas quase zombeteira, maliciosa, no olhar um brilho de incredulidade.

E num relâmpago, pois nem sequer dei conta de que se movesse, no instante em que para quebrar o silêncio gaguejo não sei que baboseira, prende-me nos seus braços e quase me derruba, cola a sua boca à minha.

Incrédulo. Surpreso. Atordoado. Descubro-me inexperiente e passivo, incapaz de responder ao seu fogo. Ela é a mestra, eu o aprendiz que tacteia, cada beijo outra sensação, cada carícia um titilar diferente.

Com um resto de orgulho macho, tento, faço força, quase me solto, mas ela refreia-me e ri de mangação, corre os dedos a electrizar-me a pele, alertando  palpitações  que em ondas se apossam do meu corpo.

Se estrebucho, as suas pernas atenazam-me. Quero-lhe os lábios e é um suplício, porque me espicaça, ora a negarmos, ou roçando-os nos meus tão de leve que desvario, capaz de morder se me não tivesse preso.

O meu esforço pode pouco contra a sua juventude. Sou lento, ela ágil, impetuosa. Aponta o caminho e toma a dianteira, mas porque não sei como segui-la, finge que se agasta, violenta-me a brincar. Tão consumada no jogo da sedução que já não raciocino  e me deixo ir por onde me leva, indiferente se o faço para lhe agradar, pelo ardor que me queima, ou porque me quero submisso.

A poltrona balouça  com a agitação dos nossos corpos, desequilibra-se, escorregamos, rimo-nos do susto e da surpresa do trambolhão que nos deixa estendidos no soalho.

Levanta-se e estende a mão a ajudar, puxa por mim. Um momento indecisa, olha para a porta do meu quarto, olha em volta como em busca de qualquer coisa e, apagando a luz, puxa-me para o corredor, entramos no seu quarto a tactear.

Sento-me, interdito, desajeitado, receoso de que a qualquer momento, rindo da minha inocência, ela me mande embora.

Vejo-a despir-se. Atira alegremente com um sapato, para que me despache. Ergue os braços a destrançar o cabelo, a silhueta da sua nudez a recortar-se breve na claridade da janela. Corre e dum salto enfia-se na cama, de olhos fechados e a fingir de morta quando a seguro e puxo contra mim.

Acordo, mas não abro logo os olhos, a demorar a surpresa, o encanto, a dizer-me que não é miragem, é verdade, é dela o corpo encostado ao meu. Macio, jovem, firme.

Corro os dedos pela seda do seu cabelo e devagarinho, procurando, desenho-lhe com eles a fronte, as sobrancelhas, a face, toco-lhe o pescoço, faço-os parar na curva do ombro. Espalmo-os no começo do seio, sentindo-lhe o pulsar.

Relembro a noite e tão intensa é a minha felicidade que, a saboreá-la e para melhor me encher dela, primeiro finjo que não acredito, digo-me que foi sonho.

Espreito. Continua a dormir. Não resisto à tentação do vício antigo e guloso da sua beleza, levanto a roupa, fico-me a admirá-la num arroubo que soma os desejos da vida inteira. Mas cubro-a ao ver que treme num arrepio e passo o braço sob o seu pescoço, dou-lhe o meu calor. Com uma ternura que nunca antes conheci beijo-lhe ao de leve os cabelos e a fronte, a face. Saciado de corpo e alma, afagado pela memória da noite, prendo a sua mão na minha e volto a adormecer."

…..

In A Amante Holandesa, Quetzal 2010