domingo, maio 9

À velocidade da luz

Contou ele e de facto pode ter sido assim, sem maldade nem má intenção, simples brincadeira, mas para um homem na meia idade brincadeiras dessas são de grande risco, só não dão por isso os acriançados, ou os que a si mesmo se iludem com a falácia de que vivemos num tempo em que muito é possível e pouco o que se leva a mal, como se o planeta fosse um gigantesco infantário povoado de miudagem.

Começou tudo num daqueles momentos em que a conversa, inocente na aparência, de súbito entra na região perigosa dos subentendidos, dos trocadilhos, o sentido das palavras a parecer que muda de maneira subtil, os olhares com outro significado. E então, fingindo que era apenas um desafio, disse-lhe que tinha a certeza de que desta vez, com uma simples carta – não um mail mas uma carta à antiga, escrita na sua bela caligrafia e enviada pelo correio com registo e tudo – se sentia capaz de fazer com que ela reconsiderasse esquecer o Magalhães, reatar o que para ele tinha sido o tempo mais feliz da sua vida. Esquecesse o que correra mal, perdoasse as escapadelas, a brusquidão de que tanto se arrependia, desse-lhe uma segunda oportunidade e provava-lhe que tinha mudado. Preto no branco, a carta registada seria como um contrato.

Em jeito de anedota, uns dias depois ao jantar Adriana contou ao Magalhães a história da carta, a proposta do Zé Diogo, e o Magalhães, físico de luta livre e humor condizente, não achou graça, se a carta viesse partia a cornadura ao fdp.

Os meses passavam, a carta não vinha, mas quando está escrito nos astros, mesmo que seja por linhas travessas forçosamente acaba por acontecer. Neste caso um diz-que disse que o Zé Diogo ia comprar uma moradia de grande luxo, até piscina, porque a Adriana tinha prometido e mais dia menos dia estava outra vez com ele.

O Magalhães ouviu o que lhe contavam, ponderou, ao chegar a casa deu-lhe o beijinho do costume e, ainda de  bom modo, mas desconfiado da versão da amante, pediu-lhe que repetisse, mas muito exactamente, as palavras do Zé Diogo, as suas próprias, confessasse por que motivo lho contara, ou se por acaso a história da carta trazia água no bico.

A rapidez de certas decisões iguala a velocidade da luz. Em milissegundos Adriana calculou e decidiu: melhor um pássaro na mão que dois a voar. Em dinheiro seria menos, mas com cara de mau e aqueles bíceps o Magalhães era um manso, além de que a mãe a tinha avisado que não fosse em cantigas de #Me Too: se uma mulher se queria governar dizia a tudo que sim.