domingo, maio 2

A bruxa de Sendim

Não é bruxa, e em Sendim nunca esteve nem lá nasceu, a alcunha foi uma brincadeira do Aristides, coisa que lhe veio à cabeça quando ouviu contar que a nora do "Sete vidas", a Leocádia, deitava as cartas, mas não o fazia a todos nem por dinheiro, porque o seu "guia" a tinha avisado de que se o fizesse, além de perder o dom ficaria exposta às forças do Mal, sujeita sabe Deus a que perigos e doenças.

De começo só alguns sabiam, mas não tardou a que dissessem que se a Leocádia quisesse há muito estaria rica, pois além de os seus conselhos darem bons resultados, uma vez por outra adivinhava coisas que os próprios interessados se assustavam, pois se ela sabia aquilo de certeza sabia mais.

Muitos continuavam a sorrir-lhe, traziam-lhe prendinhas, um ou outro evitava encará-la, às vezes passando de largo, ou fazendo daqueles acenos que nunca se sabe se são de simpatia ou a tradução de "Vai prò raio que te parta!"

O Adriano era desses, e por um motivo que não podia ser mais pessoal, porque se lhe metera na cabeça que, solteiro e proprietário de duas sapatarias na vila, era um partido que a Leocádia não ia recusar. Mas tinha recusado, e pior era o tê-lo feito dum modo que desde então o trazia indisposto, pois ao mesmo tempo que ela agradecia e pedia desculpa por não aceitar, notara que o modo da rapariga o incomodava. Pela recusa, mas mais ainda por sentir nela uma atitude de superioridade e vidência, um pouco à maneira da que as crianças atribuem às mães.

Passou a odiá-la de maneira muita sua, mas menos pela recusa do que por medo do poder oculto da bruxa de Sendim, que de certeza sabia dele o que ninguém devia saber, e não eram só as trafulhices do negócio, o putedo de Bragança ou os quinze anos da filha do Amorim, que tudo isso eram capas a tapar o segredo dos segredos, escondido tão fundo que nem a si próprio dele falava em voz alta, e para lá ir fazia uns rodeios que só mesmo por azar dariam com ele. A não ser…

Quando uma história de ficção emperra e o autor sente dificuldade em desenvolver o enredo, a regra clássica manda que então se encontre um cadáver. Assim seria plausível que, levado pelo medo de que Leocádia descobrisse o seu segredo, o Adriano a matasse e o autor obtivesse o cadáver necessário para desemperrar a sequência.

O busílis está em que vezes de sobra a realidade troca as voltas à fantasia e o desfecho é inesperado, neste  caso o boato de que Adriano, o garanhão, saíra do armário. O que há muito sabiam as amigas da bruxa de Sendim.