domingo, maio 16

A verdade das mentiras

Pode ser uma questão de temperamento, da maneira como se foi criado, hábito que se ganhou, verdade é que se há quem seja maníaco a arrumar, outros vão-se desleixando e com o correr do tempo alguns desses, sobretudo se vivem sozinhos, acabam por não se dar conta do desarrumo, e quem os visita pode por delicadeza ou cautela não fazer comentário nem  mostrar-se surpreso, mas as mais das vezes é pocilga a palavra que involuntariamente lhes ocorre para comparação.

Com uma salita, um quarto, cozinha, banheiro, há espaço de sobra na casa onde o Mateus  agora vive, não se desse o caso de que a situação pede o condicional. Haveria espaço, caso ele tivesse outra mentalidade, e ao fim de três anos de matrimónio não se tivesse divorciado de Lavinia, a romena sua namorada e brilhante colega na Politécnica de Bucareste, de quem agora se queixa com o bizarro argumento de que, sem que lhe adivinhasse o motivo, a "desleixada cigana" com quem tinha dado o nó, dum dia para o outro como que encarnara numa espécie de instrutor dos Comandos, maníaca do arrumo e da limpeza, a peguilhar por tudo e nada, aos berros, fazendo comentários cínicos sobre o seu desleixo e até, a gota que à terceira vez fizera vazar o copo, um remoque à sua virilidade.

Conteve-se, não ia ser acusado de machismo ou violência doméstica, e como não era dado a fazer cenas encheu as malas, foi à procura doutro poiso até que o divórcio lhe devolvesse a paz e a liberdade.

Porém, como sabe quem já percorreu essa Via-Dolorosa, um divórcio, e neste caso sendo a outra parte uma romena esperta, quezilenta, muito ciente dos seus direitos, é processo que se arrasta, de modo que ia quase num ano que o Mateus morava na casita que para seu mal - mas na urgência era o que pudera arranjar - ficava num cu de Judas com vista para uma zona de armazéns e fabriquetas, paisagem de excelência para tornar macambúzio o mais assanhado dos optimistas, qualidade que o nosso homem estava longe de possuir.

Preocupados com a sua condição resolveram os amigos surpreendê-lo um sábado à tarde.  Muniram-se de comes e bebes e sem aviso bateram-lhe à porta, que quando finalmente se abriu não lhes reservava apenas uma surpresa, mas três. Em lugar do chiqueiro que esperavam estava tudo um brinco, ao cimo das escadas um Mateus desarranjado mas alegre, por detrás dele uma Lavínia sorridente.

Aqui chegado o contador defronta um dilema: se revela o desfecho deste caso verdadeiro vão achar que mente, se inventa um dirão que exagera.

-------------------------

"No dia 8 de Maio de 2021, foi promulgada pelo Presidente da República a “Carta de Direitos Humanos na Era Digital” que estabelece um novo Direito de “protecção contra a desinformação”, e que institucionaliza e legaliza a censura, através de uma Entidade Reguladora e não dos Tribunais, de pessoas singulares ou colectivas que “produzam, reproduzam ou difundam” narrativas consideradas pelo Estado como “desinformação.”