Esperávamos pelo eléctrico e tirei-o pela pinta. Telefonava, dizia a alguém num razoável inglês que se tinha atrasado, dei conta do saco de Viagens Abreu pousado no chão. Fechou o telemóvel e suspirou desconsolado: "Grandessíssima merda!"
Meti conversa. Fazia frio, o eléctrico demorava, estávamos defronte da Centraal Station onde há um bom café. Convidei-o e lá fomos.
O Alberto, solteiro, 36 anos, estudou História da Arte, Ciências da Comunicação, Sociologia, Relações Públicas, Inglês. Tudo pela rama, esperançado de descobrir uma paixão, desiludido de que nada o fizesse vibrar o bastante para terminar um curso.
Conta que já teve duas namoradas a sério, um T2 em Oeiras, um Audi. Esteve em Jerusalém e não gostou. De Londres também não. A falar verdade nem de Paris. A primeira namorada, muito apegada à família, não era de viagens, mas com a segunda visitou Cuba e o México, estiveram em Bali, no Nepal, na Índia, em Dubai, em Abu Dhabi. Num outro Verão andaram pela Turquia, a Geórgia, a Ucrânia - "Kiev! Espectacular! – a Rússia, a Polónia.
Oiço. Nada pergunto. Diz agora que a vida mudou muito, as coisas estão más, já não tem apartamento, carro, namorada. Faz dois meses que veio para Amsterdam, um bocadito à sorte. Um amigo holandês ofereceu-lhe cama e mesa por duas semanas, e prometeu que o ajudaria a procurar trabalho.
- Mas o trabalho… - ergue os braços, desconsolado.
Pergunto que trabalho era e ele, tristonho, fala de plantar flores em estufas, colher hortaliças, empacotar sementes.
- Pagava mal. Aquilo era mais para polacos. Andavam lá muitos.
Um rapaz de Aveiro ofereceu-lhe um quarto. Pode ficar o tempo que quiser, mas tudo é muito caro, e se não conseguir qualquer coisa terá de voltar. Um problema, porque os pais já cuidam dos netos e da irmã divorciada.
- O de Aveiro trabalha nas limpezas. Só dá 8 euros por hora e é às noites. Acho que não posso. Ele próprio se queixa, diz que é pesado. Não sei, mas a minha ideia vai mais para um trabalho de Relações Públicas, ou no ramo de viagens.
Pergunta o que penso, o que me parece, e eu respondo que se deite ao que vier. Limpeza, asilo de velhos, descargas, porteiro, moço de recados. Esqueça os estudos que não terminou e a vaidade que não pode nem deve ter. Ganhe o pão-nosso de cada dia. Dou-lhe em exemplo um amigo meu, brilhante doutor em Física, que quando, por falta de meios, a universidade inglesa onde trabalhava não lhe renovou o contrato, passou anos a lavar pratos e a fazer de jardineiro.
O Alberto não gostou de me ouvir, nem que lhe dissesse que o rapaz de Aveiro tem razão e está no bom caminho.