Ficou longe de ser uma avalanche. Não seria de esperar nem o prémio o justificava, mas sempre foram sessenta e sete os leitores que se deram ao trabalho de formular as duas perguntas que me fariam se fossem jornalistas.
Reuniu-se o júri a meio da tarde de ontem. Leu-se, discutiu-se, ponderou-se, e com pena se descobriu que muitos, de facto quase todos, tinham uma pergunta boa, mas outra fraca. Finalmente, de novo debatendo e deliberando, foram nove os papelinhos metidos no saco. Chamou-se criança inocente e foi ela que de lá tirou o nome de Isabel Gonçalves, que tinha perguntado:
- Viajado como é, pelo mundo e pela vida, se lhe desse para fazer um balanço introspectivo, gostaria que me dissesse, à luz desse balanço, se, para si, são as circunstâncias que fazem o homem ou, antes pelo contrário, o homem forja e molda as suas próprias circunstâncias?
- Certezas não tenho, mas se fosse possível forjar e moldar as próprias circunstâncias, creio que a minha vida teria sido bem diferente, sem aventura, com menos sobressaltos, moderada nos resultados. Por outro lado, isso implicaria também a perda de momentos de muita adrenalina, de sentir extrema alegria, alguns êxtases, viver revelações surpreendentes, ter motivos para admiração e paixão. Posso dar-me a ideia de, uma vez ou outra, ter sido o timoneiro da barca, mas a força da corrente sempre pôde mais e levou a melhor sobre a minha perícia ao leme.
- Como leitora diária e atenta do seu blogue infiro que são muitas as características, digamos, menos nobres do ser humano que lhe causam sentida e sincera tristeza. A minha pergunta é, por oposição à minha afirmação, que resultados, que efeitos, da sua escrita, lhe causaram e continuam a causar-lhe uma profunda e genuína alegria?
- Uma das desagradáveis características da alegria, mesmo profunda e genuína, é a velocidade com que perde impacto e se vai esvaindo da memória. Tivesse ela a força e a permanência da tristeza. Mas eu seria desagradecido e hipócrita se quisesse esconder ou diminuir as alegrias que a escrita me tem dado. Conto por alto: ver impresso o meu primeiro romance; os primeiros artigos de jornalismo; o impacto de Com os Holandeses no público holandês; as excelentes críticas aos meus livros na Holanda, na Bélgica, na Alemanha, no Le Monde e no International Herald Tribune; o êxito de Portugal, um guia para amigos; a recente edição da minha obra em Portugal.
São de facto muitas, grandes e pequenas, as alegrias que me têm vindo da escrita, mas entre as mais íntimas conto os testemunhos dos leitores, quando me dizem como, e por que motivo, os tocou um ou outro livro meu.