Desculpe a curiosidade, mas gostava de lhe perguntar se tem talento. Acha que não? Então somos dois.
De certeza já notou que nos últimos vinte e cinco, trinta anos, há muito mais talento, quase se poderia dizer que essa qualidade, antigamente escassa em todas as artes, ofícios, ciências e profissões, não somente se democratizou como também, baixando ao rés a craveira, foi posta ao alcance de qualquer um.
Hoje em dia, felizmente, quase todos de uma ou outra forma possuem talento. Há débeis mentais fazendo talentosamente cerâmica. Putos de infantário desenham com talento garantido, já vi rabiscos da miudagem expostos num museu de renome ("Para familiarizar as crianças com a beleza da Arte", informava um letreiro). No primário, no secundário, nas faculdades, confirmam-no pais e avós, é um nunca acabar de talento, a rapaziada mal deixa os cueiros pronto recebe o canudo de mestre ou doutor. À minha volta toda a gente escreve, pinta, toca, faz teatro, sopra com aplauso geral em gaitas-de-foles, bate castanholas, sapateia… Há-os até que falam Mirandês!
Para si, para mim, e os poucos que se nos assemelham, a coisa está bicuda. Pessoalmente cheguei ao ponto em que nem sequer ouso confessar ter tido em tempos certo jeito para a bilharda. Jeito não é talento, evidentemente, fora que também só um ou outro excêntrico saberá ainda o que é isso.