Ainda por cá ando, mas já cá não estou. Digo isto sem intenção de referir a conhecida frase – "O meu reino não é deste mundo" - mas indicar apenas que o enfado me toma e sobe agora a alturas que me levam a perguntar se será caso de disfunção. Porque muito é o que me fatiga e aborrece, o que por um nada me impacienta.
E estou a ficar invejoso. Houve tempo em que mantinha a esperança de um dia vir a escrever daquelas frases que antigamente se classificavam de lapidares, a imprensa repetia nos editoriais e depois se discutiam nas conversas e nos cafés.
O Destino, porém, não quis que assim fosse, pelo que só me resta a admiração e a citada, muito doentia inveja. Quanto não daria eu, por exemplo, para como Gonçalo M. Tavares, referindo-se à sua escrita, saber dizer : "Acho que todos os meus livros têm esse outro mundo, que me é natural: o mundo do humor e da ironia. Como se as palavras fossem coisas materiais e nós pudéssemos ver as costas das palavras, a parte de baixo das palavras; como se pudéssemos levantar a saia das palavras."
Magnífico! Poder ver as costas das palavras associo-o eu logo à pintura do grande Magritte ou do espectacular Dali, enquanto que o levantar-lhes as saias acorda – pelo menos em mim acorda - visões da lascívia adolescente que me causavam as coristas de Toulouse-Lautrec dançando o can-can.
São frases assim que espevitam o raciocínio e as emoções, sacodem para longe a modorra do viver. Terei que lê-lo, para confirmar, mas não duvido que o jovem Tavares mereça os muitos elogios que lhe fazem e os prémios que recebe.
Pela minha parte, como disse acima, ainda por cá ando, mas infelizmente já cá não estou. Da literatura aos mercados, do futebol à Boutique dos Relógios, tudo reforça a certeza de que este mundo não é o meu, nem o que conheci.