Todo o cuidado é pouco, tudo mudou. Fantasia-se uma história num momento de irritação, descarrega-se o excesso de bílis inventando um personagem, e já não é no jornal de amanhã que se tornará pública, mas de imediato num blogue, pronto tremelicam os telemóveis.
- É fulano! Chapadinho!
- Olha que não. Deve ser aquele gajo que assobia muito bem.
- Ou o outro, o cornudo.
- Esse não tem bigode. Cá na minha é o cunhado.
- Se fosse o cunhado... Ouve lá, vais ao café?
No café já se sabe e discorda-se.
- Cornudo coisa nenhuma, e o cunhado também não. Na minha ideia é o vizinho dele, o do terceiro andar, o que tem gaiolas na varanda.
- O dos periquitos?
- O outro, o dos papagaios.
- Vocês não estão a ver! Ele escreve aquilo para gozar! Inventa!
- Ai é? Então porque é que diz que o sujeito gosta muito de cerveja e que lhe fica a espuma no bigode?
- Com certeza li à pressa. Não vi. Fala de bigode?
- Sim senhor. Por isso é que não pode ser o cornudo. Tem de ser outro.
A história inventada vai crescendo, ganha cenas novas, torna-se real.
- Sabes que o Azevedo escreveu uma coisa no blogue dele e que o vizinho....
- O dos papagaios? Disseram-me que era o cunhado, o bigodes da farmácia.
- Há quem ache que é o tio. Ou o cornudo.
- O que se veste de mulher?
- Não. Aquele gajo das pulseiras, o do Passat azul.