Seria injusto desconfiar das minhas palavras, ou supor nelas ironia, pois foi com genuína satisfação, e até recordo ter sorrido, quando soube que um vasto número de portugueses, embora consiga ler um texto, tem dificuldade ou é mesmo incapaz de interpretá-lo, a não ser que o assunto em questão seja o futebol.
O jogo em si, evidentemente, mas para lá dele o sem-fim de campeonatos, transferências, rixas, golos, inimizades, bofetadas, roubalheiras, trafulhices, escândalos, o astronómico rodopio de milhões. Também e ainda, deixando-me de boca aberta, o espectacular exotismo de, em estádios onde o sol queima, ver árabes embrulhados em albornoz de lã, a aplaudir a infinda sucessão das proezas de Ronaldo.
Poderia continuar, mas má sorte que me cabe, ainda miúdo perdi o entusiasmo pelo futebol, isso tanto por ser pouco ou nada inclinado ao que implique esforço físico e agilidade, como também porque cedo paguei as favas, pois sendo de pequena estatura entre matulões, esses por vezes descuidados, noutras com mau propósito, fingiam confundir-me com a bola, e era eu quem levava os pontapés.
Voltando ao que interessa, e embora dê a impressão de que estou a puxar a braza para a minha sardinha. Seja como for, importante mesmo é que as pessoas leiam, não o assunto da leitura, pois tendo já o hábito, chega sempre o dia em que os olhos pousam noutro assunto, então a probabilidade é grande que o “bicho” morda, e o interesse salte do futebol para – não direi os sábios comentários sobre a guerra na Ucrânia ou o mau humor do presidente Trump - mas já agora, e como faz duzentos anos que nasceu, um romance do grande Camilo Castelo Branco, seja ele O Amor de Perdição ou, melhor ainda, se bem que menos popular, Coração, Cabeça e Estômago.