sexta-feira, setembro 10

"Stop Animal Abuse"

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O Amstel é um rio modesto, há canais mais largos, mas antes de entrar na cidade faz ali curva, dando uma impressão ilusória de grandeza. Na margem, a esplanada do restaurante é local favorito de gente próspera, trintões agarrados à lembrança da juventude passada, raparigas muito capazes em fintar o tempo. Janta-se bem.

Mediana na estatura, decote generoso, cigarro entre os dedos, a mulata entrou sozinha, espalhafatosa no modo e na minissaia branca, onde em maiúsculas desproporcionadas se lia: STOP ANIMAL ABUSE.

Passou pela minha mesa, fez vaivém por entre os grupos, falando a um e a outro, que abanavam a cabeça e lhe sorriam de circunstância. As mulheres, todas mais altas, mais jovens, mais bonitas, voltavam-lhe as costas, ou encaravam-na como se tivessem dificuldade em enxergar.

Agarrou um quarentão pelo braço. Ele ouviu-a, sorriu, e com um encolher de ombros de desculpa foi adiante. Depois, sentada a uma mesa próxima, demorou até que lhe trouxessem um copo de vinho branco, que foi bebericando com vagares e um rosto de desespero. Levantou-se, deixando o copo meio, e o empregado disse que estava bem, não precisava pagar, não tinha importância, deu-lhe as boas-noites.

Vi-a depois, única caminhante na berma da estrada, as maiúsculas da bizarra minissaia gritando ao mundo que não se deve maltratar os animais.

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PS. Este texto foi publicado no TC em 9 de Julho de 2010. A mulata pede agora esmola nas ruas de Amsterdam e, umas vezes na saia, nas calças ou na blusa, continua a anunciar: STOP ANIMAL ABUSE.

Passei hoje (10/09/2021) pelo sítio, o restaurante desapareceu, revivi a cena como se estivesse a acontecer, fiquei com a impressão que a memória tem razões que é melhor ignorar.