sábado, setembro 4

Dia de azar

 

Há daqueles dias em que as perguntas vêm em turbilhão, empurradas a chicote pela memória, escolhidas a dedo pelo algoz sem feições que não espera pelo escuro da noite, mas começa cedo o martírio, refinando o desfilar, escolhendo a dedo as imagens e os momentos, insistindo em repetir os que mais doeram, os que deixaram cicatriz que nada apaga.

Hoje foi para mim dia de azar e consumição, o algoz insistindo em repisar mágoas antigas, forçando-me a ouvir vozes do passado mais longínquo, a sacudir-me para se certificar que a tortura resultava, saltando impiedoso dum para outro ano, duma década para a seguinte, fazendo reviver ameaças em rostos autoritários, renovando perdas, pesadelos, lágrimas choradas em horas de aflição. Aquelas horas em que a esperança perdida dói como um insulto e revela a nossa pequenez passada, presente, futura, talvez eterna.

Dia mau, talvez também má noite, porque o carrasco se dá pouco ou nenhum descanso, e se por vezes parece abrandar a tortura é para melhor a refinar.