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Anteontem, sexta-feira, 12.04.2019, um jornalista
amigo entrou no comboio em Alcântara-Mar e, segundo me contou, conseguiu
encontrar um lugar vazio no qual, com alguma surpresa, deu com uma folha de
jornal com uma das minhas crónicas. Até aí nada de esquisito, porque além de
embrulhar peixe o papel de jornal tem muitos usos. Também são várias as razões
para alguém deixar uma folha de jornal no banco de uma carruagem. O curioso é
não se tratar de uma página do jornal desse dia, nem do anterior, mas de uma da
revista Domingo do Correio da Manhã de 25. 11. 2018. A fotografia que o
colega juntou faz fé, e o texto era o segue:
O gosto de exagerar
Porque vivemos longe os nossos encontros são espaçados, mas
continuo a achar surpreendente que ao longo de tantos anos, cada vez que nos
vemos o Arnaldo Barros me leva a recordar um personagem de Eça de Queirós. No
seu romance A Relíquia retrata-nos o Dr. Margaride, “um homem corpulento
e solene, já calvo, com um carão lívido, onde destacavam as sobrancelhas
cerradas, densas e negras como carvão.”
Ora acontece que se no físico o Arnaldo – um magricelas de
cara chupada, cabelo ralo, olhos tristes - é o oposto do Dr. Margaride,
mostra-se seu gémeo quando se trata de um acontecimento ou desastre. “Uma
fumaraça numa chaminé” era para o jurista “um incêndio medonho na Baixa”, e
justificava ele esse gosto doentio pelo exagero afirmando: “Ninguém como eu
saboreia o grandioso”. Também assim é para o Arnaldo, que falando certa vez de
um princípio de incêndio nos arrumos da vizinha, contava que se não fosse a
rapidez dos bombeiros teria havido ali um Pedrógão.
Mas onde o seu apreço pelo exagero dá cartas é quando avalia
os políticos, destacando-se então pela rara qualidade de nenhum criticar,
pois no seu dizer, todo aquele que dedica a vida ao serviço da Pátria merece
consideração. E se há um ou outro que não cumpre ou mete pelo mau caminho, é
nosso dever recordar que ninguém é perfeito.
Mário Soares continua a ser para ele a figura de topo, quase
lhe merece um grau de santidade, mas concede que o Primeiro Ministro já deu
mostras de que não lhe fica muito atrás. Aí chegado faz uma pausa a tomar
fôlego, cerra ligeiramente os olhos, as palavras saem-lhe pausadas, solenes,
num tom definitivo:
- António Costa é um Churchill!Não sou quem para o contradizer, tanto por falta de conhecimento do senhor, como por desinteresse, e ainda pelo génio azedo do meu amigo, que logo se zanga quando alguém discorda.
- António Costa é um Churchill!Não sou quem para o contradizer, tanto por falta de conhecimento do senhor, como por desinteresse, e ainda pelo génio azedo do meu amigo, que logo se zanga quando alguém discorda.
- Um Churchill! – insiste ele com um ar de desafio, que não
resulta porque tomei a mim o papel do bom espectador: calado, meneando
ligeiramente a cabeça a mostrar que estou atento.
- E agora diz lá, a quem se pode comparar o Presidente
Marcelo?
Encolhi os ombros, porque de facto não saberia responder, mas como o Arnaldo aceita mal que lhe estraguem o jogo, começou ele próprio com sugestões, embora de figuras históricas que hoje pouco ou nada dizem à maioria: Talleyrand, Disraeli, Cromwell, Richelieu, Potemkine…
Encolhi os ombros, porque de facto não saberia responder, mas como o Arnaldo aceita mal que lhe estraguem o jogo, começou ele próprio com sugestões, embora de figuras históricas que hoje pouco ou nada dizem à maioria: Talleyrand, Disraeli, Cromwell, Richelieu, Potemkine…
Então, talvez porque eu lhe parecesse desinteressado, tomou
um ar de conspirador e sussurrou-me um nome ao ouvido.
Fiquei zonzo, ainda estou a recuperar.