Aconteceu-lhe o incrível. Não perde tempo nem gasta palavras, a surpresa como que lhe cortou o dom da fala e, ainda em choque, a memória tem dificuldade em recordar detalhes, garantir se a loucura foi assim, se foram aqueles os gestos, os olhares.
Sabe que falaram, mas ignora que palavras disseram, as
que lhe ocorrem talvez tenham sido ditas antes, depois, ou noutra ocasião.
Muito presente tem a visão do belo corpo a abandonar-se na dádiva, a ternura dos seios de
menina, o cetim da pele jovem, o momento em que, cerrando os olhos como em
transe, ela deixou descair a cabeça no travesseiro e sorriu.
Entregaram-se. Cederam. Deixaram-se ir no turbilhão de surpresas,
como se os seus corpos finalmente descobrissem a febre de amar, a que de
verdade queima e leva ao delírio, à perda dos sentidos, da consciência; a febre
que destrói e liberta; a febre que pára o tempo, arrasa diferenças, deixa
entrever a felicidade.