São horas de perigo, as de desencanto com o que nos rodeia, o que somos, o que nos espera.
O que então vemos não é o que poderia ser, a imaginação fica aquém, onde se queria solidez encontramos o que é pegajoso ou se esboroa entre os dedos, o chão de areia, o visgo das armadilhas.
Sábio aquele que se faz eremita e retira do mundo,
privilégio que a poucos – hoje talvez a nenhuns – é dado, pois o mundo tomou
conta de nós, aperfeiçoando as pinças com que nos tritura, as grilhetas que, por
serem invisíveis, ganham em eficiência e mais seguramente escravizam.
São horas de perigo, porque nos sonhamos livres e sabemos
títeres, já tão perdidos que nós próprios enlaçamos os cordelinhos com que o
mundo nos faz saltitar. E vamos adiante, sempre adiante, na ilusão de que os pés
são nossos, o caminho o que escolhemos. Na verdade nunca saímos do sítio. Giramos em torno do mesmo eixo, é a mudança dos bastidores que nos engana e faz
comparsas num musical sem actores.