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Alguns sabem-no, e ao mundo de facto não interessa,
mas aponto aqui o meu descaso por certa poesia, o ballet moderno, a arte
abstracta, aquelas piadas a que os crentes chamam instalações, os espectáculos
de massa com gente aos pulinhos, os fanáticos de Paul Auster, os que citam
Woody Allen, mais uns quantos itens que, alongando o rol, certamente iriam
valer-me olhadelas de través e inimizades que de momento não me apetece
provocar.
Iniciou esta minha má disposição o folhear
acidental de uma revista em que um cavalheiro na casa dos cinquenta, referindo um poema seu, dissertava
sobre os mistérios de Cupido.
Li, olhei o retrato do homem – já em
pequeno me avisaram de que quem vê caras não vê corações – reli, mas em vez de
uma saudável gargalhada, caí no azedume e desenfreei.
Felizmente, tudo se passou na intimidade
das quatro paredes e, estando sozinho em casa, não houve testemunhas da minha fúria
nem gravação dos impropérios.
A meio da tarde o acesso tinha passado, e
quando há pouco me sentei a escrever este desabafo, dei por mim a sorrir de que
ainda haja poetas que, para falar de amor, recorram à fímbria do vestido, ao
doce azul do olhar, à serena elegância do passo, aos braços que se enroscam quais
serpentes, ao corpo marmóreo, ao sorriso felino, às labaredas da paixão.
Sinceramente me pergunto se, nas minhas
orações, devo pedir ao Senhor que se compadeça e me acalme, ou se será melhor
que neste e naquele faça secar a veia poética.