Está nos trinta, mantém um blogue anónimo. Nele escreve uma prosa antiga de sentimentos e paisagens românticas, com abuso de luares, neblinas, manhãs radiosas, sedas e correrias de pés descalços sobre relvas orvalhadas, longos cabelos loiros agitados pela brisa, beijos castos, febres de paixão.
É também uma prosa de queixas. Ele, o amado, ora lhe segreda palavras divinais, ora se mostra frio, indiferente, quase bruto, para numa reviravolta a apertar nos braços e cobrir de beijos.
Não relata cenas de cama. Tudo acontece em jardins, em parques, quintas com casas senhoriais e castanheiros frondosos. Há Porsches junto da escadaria. Perpassam cavaleiros montados em animais de raça, e ela desejaria ver-se raptada, ameaçada, correndo perigo, milagrosamente salva quando já se sentia perdida. Salva, não pelo amado, mas por um belo e misterioso estranho, com quem, no último texto que dela li, caminha de mãos dadas e entranha-se num bosque, "no instante em que as labaredas do Sol poente incendeiam o horizonte."
Vai para cinco anos namora um dentista. Os pais são contra. O dentista não mostra entusiasmo, nunca fala de casar nem gosta de crianças, paixão tem-na pelo Jeep Cherokee e o Benfica.
Ela não compreende, entristece, pede que eu lhe explique e também - "Não há pressa, mas gostava" – que lhe diga o que penso da sua escrita.
Não tenho coragem de lhe dizer que não quero pensar sobre a escrita alheia, e que a minha já me esgota o ânimo.