Descobri que era tímido por volta dos oito ou nove anos, ao ouvir minha mãe dizer a uma vizinha que eu era "bonzinho".
Pelos jeitos aquele "bonzinho" era o nome colectivo para os meus temores, vergonhas, acanhamentos, e o mais que me levava a baixar os olhos, tremer, fechar a boca, punha depois em estado cataléptico e com vontade de sumir.
Já adulto, muitas vezes tive de respirar fundo e, como se o fizesse a um terceiro, dar-me mentalmente empurrões para ser capaz de subir a um pódio e falar a um público, pois a vontade que tinha era de esconder-me ou deitar a fugir.
O tempo e a experiência foram pouco a pouco diminuindo o meu acanhamento, mas só passados os sessenta me vi definitivamente livre dele. Grande alívio. Já não tropeço no hall dos hotéis, converso nas festas, não gaguejo nas entrevistas, não coro quando se me dirigem, vivo sossegado, senhor de mim, jamais fama, autoridade ou poder me fará baixar os olhos ou arrepiar caminho. Finalmente sou como deveria ter sido desde menino, deixei de ser "bonzinho".