Isto aqui é longe, o correio vem ou não vem, de modo que o Público da passada sexta ainda não chegou e assim me reporto ao que leio em Os Canhões de Navarone.
Escritor de talento, e como poucos analista competente e acutilante da política e da sociedade portuguesa, co-fundador e impulsionador da Periférica, Rui Ângelo Araújo é também meu amigo. Mas deita-se ele agora contra Vasco Pulido Valente, e eu, ainda mais velho e mais rabioso que o afamado colunista, sinto aquilo como bordoadas que também me são dirigidas. Porque é facto: releio os mestres e com eles continuo a aprender, mas ao contrário do que o meu amigo imagina dos gerontes, acredito de tal modo na literatura que até os novos leio. Muito mesmo. E a decepção é grande.
Há neste e naquele um lampejo de talento, mas não será o cinismo dos anciãos a eventualmente abrir a campa da literatura, sim a pressa que a maioria dos jovens escritores tem de mostrar, mostrar-se, e sobretudo o talento que, em vez de o devotarem ao aperfeiçoar da escrita e aprofundar das ideias, gastam na criação de sua imagem publicitária e nas estratégias de marketing.
Para ficarmos nesta época de matanças e fumeiro, tempo houve em que, com devido respeito, a literatura portuguesa se poderia comparar à chouriça caseira: receita experimentada, boa carne, bom tempero, repouso suficiente na vinha-d'alhos, tempo bastante a defumar para uma cura perfeita.
A actual, infelizmente, além de apressada no fabrico, é apresentada e vendida como as salsichas, tem comparável consistência, colorido, sabor e capacidade alimentar. Este Schopenhauer prova com curiosidade e de espírito aberto, mas por decência cala a qualificação que no íntimo dá ao sabor da coisa.
Caro Rui: nenhum azedume de velhote porá fim à literatura, mas os que verdadeiramente a quiserem manter viva e pujante, terão de pensar mais no mundo que os rodeia, esquecer o saracoteio dos seus pequeninos egos, acabar com os truques e pôr a vaidadezinha em banho-maria.