Em vida passada calhou-me por afinidade uma tia húngara, e pela primeira vez notei o curioso fenómeno de alguém cujo interesse primordial parece ser a recordação de nomes e parentescos.
Gabava-se um vinho à refeição, logo ela referia um Miklós, cunhado de uma sobrinha, que para os lados de Kaposvár herdara vinhedos. Partindo daí debitava toda uma genealogia de espalhados ramos, um nunca acabar de nomes, idades, casamentos, profissões e laços familiares. Ainda por cima num inglês misturado de longas frases húngaras, uma provação para quem queria comer em sossego e tinha mais em que pensar.
O Destino livrou-me da namorada e da tia, mas anos atrás fez surgir o Ernesto dentre as brumas da memória da juventude. A alusão ao hino cabe aqui, porque o Ernesto, nacionalista à moda antiga, usa uma linguagem arcaica, deleita-se a falar de avoengos, chusmas, flamas, baluartes, morgadios, donzelas...
À semelhança da húngara de nefasta memória, sofre ele igualmente de uma paixão por nomes e famílias, mas alargada com detalhes extremos em referência às posses, aos cargos, às amizades e cumplicidades, aos arranjos, traições, promessas falhadas, amores suspeitos.
Não se lhe pergunte, descuidadamente, se conhece fulano, pois resultará daí um historial minucioso do homem, seguido de casos e parentescos que abrangem primeiro a vila, se estendem pelo concelho, a província, e alcançam Lisboa.
Remata dizendo que, bem vistas as coisas, somos uma grande família, dum modo ou outro todos primos.
Afável por natureza, não contesto, mas Deus me livre.