sexta-feira, outubro 28

No infantário

 

— Não sabes mentir.

 — Não sei?

 — És um livro aberto.

Chamou o cachorro e beijou-lhe o focinho, fechou-o no pátio, veio depois para junto dele, travessa, a prendê-lo pelas costas da camisa e, obrigando-o a levantar-se — «Vorwärts!» — foi-o empurrando para o quarto.

Quando acordaram começava a escurecer, Lena correu a abrir a porta ao Fred, que dum salto se aninhou entre eles, a gozar o quente.

— Então não sei mentir?

— Não, Sammy, não sabes.

— O meu nome é Samuel. Sammy era aquele preto zarolho que cantava muito bem. Amigo do Sinatra. — Sammy Davis.

— Esse. Na Guiné a gente ouvia-o no rádio.

— Se me apetecer chamar-te Sammy, chamo-te Sammy. Mandas em mim?

— Um dia destes vou mandar. Não faças cócegas!

— Mandar em mim? Experimenta e arrependes-te.

Desviou o cinzeiro para que Fred não lhe mexesse, lembrou--se do que queria perguntar:

— Ó Lena, a mala que te pedi para guardares, onde é que a puseste?

— No sótão. Aquilo é chumbo? Vi-me mal para subir a escada.

— Não a abriste?

— Claro que não.

— Depois mostro-te. É melhor tirá-la daqui, queria saber se a podes levar pra uma dessas casas que ficam vazias dois ou três meses. Meio ano ainda é melhor.

— Posso.

Da vida de Lena pouco sabia, mas de mulher que vê uma mala cheia de armamento não esperava tanta calma, menos ainda que soubesse o que era uma Parabellum, e dissesse, sorrindo, que num aperto hesitaria entre a Glock e a Tokarev. A Beretta era bonitinha. Pela Llama e a Astra 600 não daria vintém. — Porquê? Por serem espanholas?

— Não. Coisa minha.

— Sabes muito de pistolas. Onde aprendeste?

— No infantário.

Deu uma gargalhada e não adiantou mais.

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in Mentiras & Diamantes