Escrever, pelo menos o meu escrever, é forma de loucura mansa. Escrevendo imagino-me, construo-me, sou quatro, dez em vez de um só, voo sem asas, marcho sem fadiga, amo, luto, conquisto. Escrevendo desfaço nuvens, sou pai de mil, invento dores, ressuscito mortos e fantasmas, ganho em roletas, nenhuma altura me estonteia, não há duelo que perca, precipício que tema, mágoa que não sofra e depois vença.
Escrevendo perco-me, refaço-me, cresço e mingo, oiço o eco dos gritos que ninguém deu, sofro medos que fantasio, por terras que desconheço traço rotas que não seguirei, visto cem trajes, ponho cem máscaras, por detrás delas finjo outras tantas vidas e mais uma, a única que não conta.
Escrevendo gozo por igual a liberdade e a prisão. Defendo, acuso, perdoo, insulto, sou sempre outro e pelo menos dois, às vezes multidão em que me escondo, fugindo do súcubo que eu próprio crio e no qual me torno.
O meu escrever é isso e mais, é também o caminho que um dia tomei, ignorando que era só caminho, sem meta, sem destino.