terça-feira, janeiro 12

Na morte de David Bowie

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Dá-se agora com a morte de David Bowie, vezes sem conta o vi suceder antes, não há dúvida que se repetirá. E bem é, porque dá prova de que são tantos os que possuem a maravilhosa qualidade de sinceramente idolatrar, de confessar-se gratos pelas emoções e sentimentos que o seu ídolo lhes provocou.
O caso é que digo isto surpreso e com uma ponta de inveja, pois por muito que procure ao longo dos meus tantos anos, de menino a velho não descubro personagem que me tenha despertado esse sentimento.
Admiração, sim. Aquela surpresa que nos torna minúsculos perante o talento ou a ciência alheia, o calafrio que dão certas músicas.
Conheço a amizade, o amor, o carinho, constantemente me vejo a admirar, raro passa dia que por razões várias me não comova, me alegre, me irrite, o que prova algum sentir.
Falta-me, todavia, essa capacidade de idolatrar, de osmose, de permitir a entrega. O que constato sem me perguntar se é bem ou mal, se assim perco algo que me teria feito diferente, melhor. Ou talvez não.

sexta-feira, janeiro 8

Fanáticos

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Cómico nenhum me diverte tanto como um fanático. Não daqueles fanáticos que por amor de Alá torturam e degolam, mas o fanático na versão simples, sobretudo o da política, filiado em partido, endeusando tudo, mas tudo, o que o partido decide, certo e seguro que o partido trilha o caminho certo, só o seu partido está na posse da milagrosa bússola que, sem falha, invariavelmente aponta para o norte das decisões sábias e das medidas necessárias para o bem-estar e a felicidade geral.
Diverte-me, em particular, o fanático inteligente, porque me deixa aperceber  possibilidades idênticas à da quadratura do círculo, da Coreia do Norte vir a dominar o  mundo, ou do monstro de Loch Ness ser lampreia.
Entre as minhas relações conto dois desses extravagantes, mas não há indiscreção em revelá-lo, e perigo de perder a sua amizade também não corro, pois mesmo se o ponho como aqui, preto no branco, ou se me der para lho gritar, eles nem por sombra me acreditarão.
O fanatismo da política tem isso de excelente: cega tanto como os grandes amores.

quinta-feira, janeiro 7

Talvez os poetas saibam explicar

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 Fosse da morrinha, do vento, do céu cor de chumbo, duma ou doutra dor nas costas, de pneu furado ou pagamento de hipoteca.
Não é, mas melhor seria que o fosse, porque certas dores d'alma torturam sem oferecer razão ou  explicação, moem naquele fundo que escapa ao alcance da vontade, uma hora a frio, na seguinte a ferro em brasa, desnorteando o pensamento, confundindo a vista, levando-nos a perguntar que motivo há para que os rostos conhecidos pareçam outros e as palavras que nos dizem soem diferentes, carregadas de estranhas intenções.
Talvez os poetas saibam explicar.

terça-feira, janeiro 5

"The sound of silence"

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Assino por baixo:

"O silêncio que se abateu sobre a vinda a Portugal do dissidente cubano Guillermo Fariñas, Prémio Sakharov em 2010, foi ruidoso o suficiente para relembrar a conivência dos intelectuais com o regime cubano e o fascínio que a ditadura castrista exerceu sobre eles – e sobre a esquerda que gosta de retratos de Guevara e que fechou os olhos ao Gulag. Que o governo tenha recusado recebê-lo são minudências diplomáticas; que o presidente do Parlamento tenha mantido igual recusa é uma vergonha. Que os intelectuais não tenham tido uma palavra é o normal, fascinados que são pelas ditaduras dos trópicos. A prova é a mordaça em redor da Venezuela, onde uma ditadura neurótica mantém na prisão o líder da oposição e se dá ao luxo de nomear um parlamento próprio para substituir o eleito. Calados, imunes e sem vergonha." 

De Francisco José Viegas, aqui.

E canto com Simon & Garfunkel:

"And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more.
People talking without speaking,
People hearing without listening,
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence.

"Fools," said I, "You do not know.
Silence like a cancer grows.
Hear my words that I might teach you.
Take my arms that I might reach you."
But my words like silent raindrops fell
And echoed in the wells of silence."
 

segunda-feira, janeiro 4

Deslize

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"Há horas de sorte!", gritavam os cauteleiros que andavam pelas ruas vendendo o "Euromilhões" de então.

Pelo menos nos últimos dias, esse prenúncio não tem valido para mim no que respeita leitura. Descartei os jornais, estou a ponto de fazer o mesmo com os semanários, de momento a internet satisfaz a minha necessidade de análises e notícias.

Sigo alguns blogues por motivos tão variados como por neles encontrar excelente  prosa, bom humor, opiniões inteligentes, mas também vivacidade, malícia, ou porque me revelam ambientes que me surpreendem.
Devo, porém, confessar um deslize a que por vezes cedo e a que me custa pôr travão: o fascínio pelos blogues de loucas e loucos, sobretudo aqueles onde o desequilíbrio se encontra ainda na fase de parecer racional, dando lugar ao que passa por sinceras e sentidas confissões.
Deus ajude a todos, e a mim não esqueça.
 

sexta-feira, janeiro 1

Pai e filho

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Meu Pai faleceu em Outubro de 1983. Pouco tempo depois encontrei esta pasta de arquivo onde ele guardara as cartas que me tinha escrito e de mim recebido, provavelmente desde o meu tempo na tropa.
De longe a longe pego nela com o propósito de ler essa correspondência, mas o resultado é sempre igual: não consigo obrigar-me a abri-la, tão grande é o medo que tenho do confronto com um passado que para mim, e talvez também para ele, não foi feliz.
Tentei hoje de novo, e mais uma vez falhei.