Desde há algum tempo vejo-me, involuntariamente, a pensar na morte. Aliás, sem relação com o caso do vizinho, que dias atrás, ao querer entrar em casa empurrou a porta, e caiu redondo na soleira. Esse pensamento também não é motivado pela proximidade da minha, pois os anos que levo tornam supérflua a imaginação de um futuro. Aliás, raro me deito sem o misto de curiosidade e temor de como, ou onde será o meu acordar.
Assim, pois, não é a minha ou do alheio a morte que me preocupa, e por vezes tira o sono, mas o desaire de Portugal, que à semelhança de um estroina de fraca e destravada cabeça, esbanja o que tem, o que não tem, o que lhe emprestam, e até o que por caridade lhe dão.
Não diminui o meu espanto o facto de conhecer o seu passado, sobretudo a tontura que lhe causou ter descoberto a rota para a Índia e, pobrezinho à ida, voltar a Lisboa tal um marajá, com sedas, ouro, diamantes, e a ilusão de que aquilo era tanto que daria para sempre.
Não deu, pronto teve fim, e quando o Criador, apiedado, repetiu a generosidade com o maná do Brasil, logo ele se apressou a mais uma vez esbanjar tudo. Em 1755, irritado, o Altíssimo quase demoliu Lisboa, condenando o infeliz a três séculos de pobreza.
O perdão veio em 1986, e desde esse ano o chuveiro de milhares de milhões põe na sombra a riqueza antiga, mas pelos jeitos confere que burro velho não toma andadura. Estradas fez algumas, idem hospitais e escolas, mas o realizado muitas vezes falha, funciona mal, ou tem um projecto que está a ser estudado.
Triste e mais que certo, dentro em pouco o maná vai findar, e nenhum futuro mandante terá oportunidade de repetir a pergunta feita pelo “ Manhoso” à gerente dos euros: “Então já posso ir ao banco levantar o cheque?”