Seria difícil, creio mesmo impossível, fazer o rol das mudanças que testemunhei ao longo dos meus muitos anos. Para não falar da, agora praticamente diária, avalanche de novidades e melhorias, algumas capazes de um dia para o outro obrigarem a aceitar hábitos, maneiras de ser, de estar, de vestir, até a achar normal que alguém caminhe só, e falando em voz alta, o que num tempo não muito distante seria tomado como sintoma de desarranjo mental.
Contudo, mesmo se a minha paciência e o conhecimento dessem para compreender o mínimo – tempo tenho eu para dar e vender – nem por sombras me iria ocupar com o incrível, infindável número de mudanças e avanços em todos os ramos da Ciência e da Técnica.
De modo que, nascido para as Letras e sentimentalmente criado no século dezanove, a minha ambição de contabilizar mudanças fica pelo comezinho: observar o diário e directo, o choque de modernices, a recordação nostálgica de sons, cheiros, sabores e modos para sempre perdidos. Costumes seculares que julgava eternos, desapareceram em meses. Raro se vê agora um grupo a conversar na esquina. Dos pregões das vareiras, dos amoladores, dos ardinas, dos cauteleiros não há som gravado, mas para que serviria se houvesse? E com que palavras, compreensíveis para os jovens e adultos de agora?
Correm eles impacientes na urgência do imediato, arrasto-me eu com a lentidão que os anos exigem, grato pelo que me foi dado ver e viver, mas também inquieto de que, no futuro que os espera, guardem sobretudo memória dos sons discordes que os rappers produzem, dos festivais em que saltitaram, julgando-se indivíduos, mas sendo apenas as ovelhas obedientes de um melancólico e maleável rebanho.