domingo, fevereiro 25

Sujar as mãos

 

Foi grande e genuíno o interesse que, ainda miúdo, me levou a ser fanático leitor de jornais e romances, então as únicas fontes de que dispunha, para saciar a desmesurada curiosidade de compreender o mundo, o passado, o que me rodeava, a sociedade em que vivia.

Por boa sorte, condições de vida, razoável estado da cabeça, tronco, e membros, ser-me-ia possível, fosse essa a disposição, manter a curiosidade antes citada, se bem que com os ajustes inevitáveis num percurso de nove décadas.

Todavia o transtorno, se assim lhe posso chamar, não vem porque me falte curiosidade ou interesse pela vida e o que acontece, antes o sinto derivado da ingénua crença de haver bons e maus, voluntariamente fechando os olhos, pondo de lado a sabedoria do nem tudo o que reluz é ouro.

Em consequência, e ao contrário da minha esperança, quanto mais leio, estudo, vejo e oiço, mais se me baralha o entendimento, cresce em mim a suspeita e o medo, a dúvida, a insegurança.

Aos poucos tenho vindo a descobrir que para continuar no caminho certo – aquele da Liberdade, Igualdade, Fraternidade  - se me torna em excesso pesada a canseira de escolher lado, ouvir comentários, analisar opiniões, ter paciência com os que se mostram eficazes em branquear o que, aos meus olhos e de tantos, é preto retinto.

Desse modo, a notícia dos agricultores se revoltarem contra os pachás da UE, recebi-a eu com um mixto de entusiasmo infantil e melancolia da velhice. Porque muito terá de mudar. As Excelências entendem de imposições, de proibições, multas e taxas, mas arregaçar as mangas e sujar as mãos não é com eles. Como também não se lhes dá que os seus ridículos ukazes levem à miséria e ao sofrimento, ao desespero.

A mim resta a sincera pena de que não irei testemunhar a mudança.