domingo, fevereiro 11

A vida às voltas

 

Talvez porque há muito estou neste mundo, quase um século, volta e meia aproxima-se um curioso, interessado em saber se partilho com ele a opinião de que, nas últimas décadas, a vida tem mudado muito, até demais.

Então eu, actor com larga experiência em palcos variados, públicos de toda a espécie e, felizmente, ainda memória bastante para representar o papel que o interlocutor deseja, tomo a pose adequada, debito em tom calmo e voz correspondente, que de facto também sou de opinião que a vida tem mudado muito.

- Mas mesmo muito, e sempre pior – sublinha ele, encarando-me de um modo que não deixa alternativa à réplica, e eu acompanho, franzindo o rosto, deixando descair os lábios, em simultâneo encolhendo os ombros, para assim reforçar a concordância do sentimento mútuo.

Da minha parte tudo comédia, idem no que ao outro respeita. Parece conversa e interesse, mas mais não é, nem outro significado tem, que o de uma imitação dos animais que se farejam, a avaliar se o contacto vale a pena, ou será melhor escolher outra altura.

Verdade é que as mudanças da vida, as mudanças em grande, podem às vezes e de fugida ocupar-nos o pensamento, mas logo o dia-a-dia empurra para o comezinho e a banalidade, o ramerrão das pequenas obrigações, a canseira do viver doméstico, as horas do comer e do dormir.

Uma coisa puxa outra, aqui chegado ocorre-me a pena que é o desleixo do ensino do Francês, que na minha juventude mantinha o seu esplendor, e se acha degradado a ponto de o tomarem por língua de “vacanças”. Mas esses, felizmente sabem o que significa «Tout, passe, tout casse, tout lasse”, enquanto os mais terão de procurar no Google, pois dicionários provavelmente não têm,  talvez nem saibam para o que servem.

Foram muitas as voltas, agora a sério retorno ao começo: a vida tem mudado muito e com estranha pressa.