domingo, fevereiro 18

Leitura fácil, escrita sofrida

 

Questão de sensibilidade, modo de encarar a vida, temperamento, por vezes até a disposição nesse instante, a alguns os cumprimentos parecem sempre poucos. Outros há que, como eu, reagem de modo desabrido em que a timidez e o embaraço levam a melhor, dando assim uma  impressão de sobranceria, assemelhando-se noutras a crianças envergonhadas com o tamanho do presente.

Ocorre-me isto a propósito de uma frase que li há dezenas de anos quando, aprendiz da escrita, a fome de leitura levava a melhor sobre a da comida, adormecia com os olhos baralhados e a doer.

A frase em questão era atribuída ao escritor inglês Ford Madox Ford (1873-1939), a quem um dia uma leitora cumprimentou, dizendo-lhe “O que o senhor escreve lê-se com muita facilidade!”, ao que ele com algum azedume respondeu: “A facilidade com que a senhora me lê, vem da grande dificuldade que eu tenho em escrever.”

Fora o apreço que me causou, recordo que invejei não ser capaz de uma resposta assim. Mas ontem, para meu desgosto e surpresa, ao acaso de uma pesquisa na internet sobre outro assunto, dei com a frase citada que, afinal, foi originalmente escrita por Nathaniel Hauwthorn (1804-1864) e desde então, confirma o Google, plagiada de várias formas por alguns com nome na praça, e sabe Deus quantos mais, ansiosos por botar figura.

Tem isso importância? De facto nenhuma, como também nada adianta discorrer sobre a vaidade, literária ou outra, pois além de ser assunto com pano para mangas, o risco é grande de, ao apontar o dedo ao semelhante, nos esquecermos de dar uma olhadela ao espelho, e arrotando postas de pescada com um vanitas vanitatum et omnia vanitas, nos iludirmos de que a vaidade alheia é desmedida, nada que se compare à pouca que temos.