É vontade raivosa que muitas vezes me assalta, mas quando consigo travar a tempo, passados uns instantes de reflexão logo descarto a ideia, ciente de que o resultado seria funesto.
Dá-se o caso, e com ele há vidas sofro, que me desconcerta a violência e disparidade dos meus sentimentos para com a terra em que nasci, as raivas que ela me provoca, como se em vez de um lugar, um território, uma nação, Portugal fosse gente.
Ora o vejo como um sujeito estúpido que me dá vontade de insultar e agredir, ora um tonto de tal modo desvairado que não paro de abanar a cabeça, de vez em quando uma inocente criança, que em mim desperta insuspeitados carinhos e ternura.
Olho-o de longe e assusta-me a frieza com que disseco o seu funcionamento, o sarcasmo que me provocam os pandilhas que há décadas o esbulham, fingindo que governam, os sortidos donos daquilo tudo, os que se dobram ajoelhados como escravos de galé. E ainda os jeitos, as luvas, o fatalismo, as vénias, a cunha, a subserviência para com os que estão acima, o desprezo para com os que dependem. O medo generalizado, os brandos costumes, as manhas, o respeitinho. Aquela inveja, que de tão extraordinária e corrente parece ser genética. A promessa raro cumprida, idem a sornice, o deixa para amanhã, a fatuidade, o valor das aparências, o gosto da rasteira.
Mas depois, tão entranhado português que sou, e protegendo-me de mim próprio, logo amoleço, procuro razões de brandura e desculpa, fecho um bocadinho os olhos, embalo-me com a esperança de que cheguem os amanhãs que sempre desejei.
Contudo agora, melancolicamente certo e seguro que a minha hora não tardará, sei que vou partir sem os ver chegar.