domingo, outubro 8

Obrigados e obrigadinhos

 

Há alturas em que tenho a impressão de ter estado ausente, assim a modo dos que tempo demais ficaram em coma, e ao retomar consciência se perguntam se já estão noutro mundo, ou continuam no mesmo em que nasceram. Ocorre-me isto devido a casos em que me vi de boca-aberta, perguntando-me se exagerava na sensibilidade, ou muito mudou sem eu dar conta.

É improvável que algum sociólogo tenha estudado o curioso fenómeno da dificuldade que tantos portugueses têm com agradecer. Generosidade, hospitalidade, favores, bons conselhos, uns esquecem, estes acham que recebem aquilo de direito, outros crêem que só um dependente ou subalterno se mostra grato.
Há os tolos e os mal educados, outros involuntariamente exibem a falsa segurança que se associa com os que não têm e fingem, ou os que não são mas fazem de conta.
Que o português nem a Deus sabe agradecer, também é facto. Transacciona à merceeiro: se o resultado o satisfaz paga em velas, ou arrasta-se de joelhos, que além de grátis impressiona.
Contudo, a sua especialidade é o "obrigadinho", que simultaneamente minimiza o favor, e dá o ar de importância que os parolos e os simples de espírito tomam por genuína superioridade.
Há aí, pois, para as famílias, as escolas, e sobretudo os senhores políticos, trabalho missionário a fazer. Porque também é urgente que esses informem o português de que o consideraram papalvo, e mentiram quando lhe disseram que Abril o tornaria um homem livre. Que íamos ser todos iguais, em público e em privado nada havia a agradecer, tudo seriam direitos.
A verdade é que em sociedade ninguém é livre e os deveres ultrapassam os direitos. Fora isso, esta nossa infeliz nação é uma de repelentes desigualdades. Mas agradecer não rebaixa, bem ao contrário: fá-lo sem dificuldade quem se sente senhor de si e respeita os outros.