domingo, agosto 27

Sempre no palco

 

Conhecemos a Teresa desde o berço, vimo-la crescer, fomos aos seus casamentos, continua fascinante notar como herdou da mãe a paixão do exagero teatral. Da cena mais corriqueira ao relato dos amores da sua juventude, do curso que não terminou às paixões que viveu, a mímica, o tom da voz, os passos, o revirar dos olhos, tudo nela é o de quem nesse momento está num palco e exige atenção do público.

Em detalhe, tom dramático e vezes sem conta repetida, uma dos suas melhores representações é a da “intervenção cirúrgica” a que teve de se submeter no início da primeira gravidez, e resultou em se tornar estéril.

Ergue-se de súbito, aponta o baixo-ventre, descreve com dois dedos um círculo, dando a impressão de que segura um bisturi, e exclama com drama:

- Arrancaram-me tudo!

Não só em mim, lê-se o mesmo na cara dos outros presentes: vemo-nos de súbito no bloco operatório, o corpo na mesa, o sangue a jorrar, os cirurgiões muito concentrados, a aparelhagem complicada, as lâmpadas, um sem-fim de cabos. Depois murmura qualquer coisa e finge  passadinhas, seguimo-la na maca pelos corredores, entramos no quarto, assistimos aos cuidados das enfermeiras, detalha a complicação das ligaduras.

Ainda de mais sofisticado talento, é a representação minuciosa da visita dos médicos na manhã seguinte, o professor falando de sinartrose e pericárdio, uteremia, palavras que nada lhe dizem, nem a nós, mas que decorou para aumentar o nosso espanto.

Senta-se então lentamente, suspira funfo, mas logo volta a erguer-se, pronta para o terceiro e último acto: a representação da sovinice do Alfredo, o seu descaso pela cópula, as birras que tinha, as discórdias, finalmente o divórcio.

Essa parte gostaríamos que nos fosse poupada - o falecido era bom homem, bom amigo - e é então que alguém diz que vão sendo horas de irmos à deita.