quinta-feira, dezembro 22

"Deve & Haver"

 

Ter visto a morte defronte dos olhos é expressão corriqueira e inexacta. A morte não se vê, não se deixa ver: sente-se. E não se sente no momento em que o médico, desculpando-se da má notícia, diz que o tumor é maligno; não se sente sequer quando o cirurgião anuncia que nada mais pode fazer, que é caso terminal e o fim chegará dentro de semanas ou meses.

Momentos desses são para uns de pânico, de benfazejo recolhimento para os que, abrindo o seu "Deve & Haver", não se envergonham das contas.

Duas vezes senti a morte perto, duas vezes a senti afastar-se, fugaz como sombra, sem me dar tempo a fazer o balanço. Noutra altura será. Por agora, e até que ela chegue, estou na fase de ir purgando e descartando, se bem que não me queira desfazer daquelas ilusões que guardo no "Haver", as que emprestam cor aos dias e ajudam a olvidar.