Que
sabem os outros de nós, mesmo quando a nossa biografia é pública? Que
sabem de nós, mesmo se confidenciamos ou confessamos? Que sabemos de nós
próprios? Que queremos saber?
A
cada instante o semblante muda, o sorriso é diferente, o modo fingido,
as palavras ditas com o significado e a intenção que os outros esperam e
espelham as que eles nos dizem. Movemo-nos num teatro de sombras, em
palco de aparências, tão habituados à representação que a levamos a
sério e nela nos sentimos bem. Vivemos a nossa fantasia no emprego das
nove às cinco, vivemo-la com a família, entre os amigos, na rua,
imitando a solidariedade, o carinho, o entusiasmo, a atenção, os
cuidados.
O
eu, o verdadeiro, aquele que tudo sabe – sim, tudo - e nos atormenta, a
esse há muito condenámos à prisão perpétua. Infelizmente, o cárcere não
é à prova de som, deixa passar os sussurros, quando menos esperamos
ouvimo-lo desfiar o que queremos esquecer da nossa biografia e de nós
próprios.