domingo, agosto 28

A galinha pedrês


Muitas vezes é pena perdida querer descobrir a origem de uma alcunha, sobretudo das que são dadas por malícia ou razões que têm a ver com manias ou maneirismos. O caso da Belarmina foge a essa regra, porque passou a ser a “Galinha pedrês” quando, quase do dia para a noite, se tornou grisalha, fenómeno tanto mais estranho por ter sido o seu cabelo dum preto retinto.

Perguntar-lho de caras ninguém se atreve, porque além de pouco dada a intimidades, sabe-se dela que não tem a vida fácil, tanto pela má sina do casamento com o Adriano, um trombudo cheio de si próprio, como pelos rebentos que daí nasceram: o Dino, que logo na primária deu mostras de que era de boa cepa e aos dezoito tinha cadastro, mas e sobretudo a Manuela, exemplar acabado dos extremos a que pode chegar quem, junto a fraca cabeça, toma por garantido e à letra que a liberdade é mesmo isso: não reconhecer obstáculos ou limites.

Todavia, depois de se ter dado a umas quantas experiências, e sofrido os desagradáveis resultados das mesmas, Nelinha decidiu que a liberdade à portuguesa não prestava, e em busca doutros ares nem dos pais se despediu, simplesmente desapareceu.

Aguardaram eles esperançados que nada de mau acontecesse, mas não lhes perguntem agora o que pensam, pois com tão grande abalo nem eles próprios o sabem, e não irão recuperar tão cedo.

Num inesperado aparato de câmaras e luzes apareceu-lhes a TV à porta, se eram eles os pais do Karl, famoso em Berlim. Desconheciam, tinha de ser engano, o Danilo estava a chegar e a Manuela... Mostraram-lhes então uma imagem do dito Karl, a Manuela chapada, cabelo à escovinha e uniforme de paraquedista, famosa por em Berlim ter sido uma das primeiras dez pessoas a valer-se do direito de ir ao Registo Civil e declarar a que sexo (género) desejava  pertencer e que nome queria usar.