quinta-feira, março 4

O meu destino

Tem a ver comigo, é o que acontece àquele que por se sentir intensamente preso à sua gente e aos lugares onde nasceu e se criou, desenvolve estados de espírito que sem remédio o tornam ovelha negra, tanto mais quanto ele próprio tem consciência do desequilíbrio da sua maneira de ver e dos erros da sua avaliação.

Quis eu ainda rapaz trocar as voltas ao Destino, e tanto sonhei, tanto rezei, tanto me enfureci que ele um dia, inesperadamente generoso, deixou que escapasse aos grilhões que me prendiam e às mordaças que me sufocavam, abriu a penitenciária, mandou-me que voasse para a liberdade.

Cumpri o mandamento mas pouco tardou a dar-me conta que, à maneira das duas faces de Janus, a generosidade que me tornara livre era aparência e o ter duas pátrias tão diferentes um jugo.

Uma é rica, democrática, respeita as leis, garante a liberdade. A outra, pobre de pedir, é de jeitos, democrática à sua maneira, aprendiz da liberdade, coutada de oligarcas.

Da primeira sou cidadão há quase sete décadas. Na outra nasci, criei-me, vivi nela pouco mais de vinte anos, mas essa de tal modo continua entranhada em mim que só nela reconheço a minha identidade, enquanto na outra tenho horas de me sentir estrangeiro.

Sol demais, falta dele, diferem ainda no território, um de montes e vales o outro um  chão de sala, e eu de facto sem escolha preso a ambas, aceitando o meu destino.