domingo, março 14

Fujo? Figo? Fogo? Fugu?

Chegado há pouco aos setenta, em idade pode dizer-se que o Cardoso é um velho, mas como sempre foi cuidadoso em evitar excessos, nunca fumou, raras vezes  excede o copito de tinto ao almoço e desde a tropa habituou-se a beber meio litro de água morna em jejum, contribui isso para que se possa dizer que tem excelente aparência. A disciplina diária de quinze minutos de ginástica também ajuda.

De feitio é um pacato, vícios parece não ter e D. Guilhermina, sua esposa há trinta e nove anos, se lho perguntarem provavelmente apontará a impaciência do marido e a paixão que tem pelo jornal. Tal como a maioria, segue o que televisão mostra do que acontece no mundo, mas se quiserem saber o que pensa disto ou daquilo, que ideia faz deste e daquele político, dessas obrigações que nos vieram com a pandemia, a  resposta será quase sempre acompanhada de um "ainda há dias li no jornal", palavras que ele profere lentamente, acentuando a seriedade do seu parecer.

Contudo, é talvez por não se lhe conhecerem defeitos que dão mais nas vistas duas bizarrias sua: uma genuína aversão ao telemóvel e um fundo desdém pela internet e tudo o que tenha a ver com as novas tecnologias.

O problema com o telemóvel é que embora a filha lhe assegure que o aparelho é "lógico e intuitivo", ele lhe responde que os seus dedos, grossos e reumáticos, se dão mal com o "brinquedo", por isso quem lhe quiser falar use o fixo ou não o incomode. Mas o seu desdém pela internet talvez esteja prestes a findar, pela curiosa razão de que meses atrás leu no jornal um artigo sobre alguns hábitos dos japoneses, que para eles serão do dia-a-dia, e embora não o tenham assustado o deixaram de pé-atrás, como se costuma dizer.

É sabido que a maioria dos portugueses, além de sermos no mundo os campeões do consumo de bacalhau seco, damos cartas no preparo de toda a espécie de peixe. Todavia, depois do que leu sobre os japoneses, a quantidade e as espécies de peixe que comem e a trabalheira que lhes dá prepará-los à maneira deles, ficou com curiosidade de saber mais, o remédio foi pedir ao neto que procurasse na internet.

Se o resultado não foi o que esperava, foi surpreendente e de consequências inesperadas para o seu apetite por peixe. Primeiro até teve de o escrever, porque não conseguia decorar o nome do "bicho", mas o que o deixou de boca aberta foi eles terem lá um que se não for bem preparado dá morte instantânea. Ou basta uma picadelazinha no fígado, e adeus vida. Fugu, chamam eles ao estupor.