Com o ano a abrir esteve quase a acontecer, mas dei-me tempo para pesar prós e contras, de modo que não vou repetir o que já duas vezes fiz e obrigar-me à disciplina de escrever um diário. É que ao contrário dos anteriores, quando as minhas vivências eram de poucas surpresas e a situação do mundo o habitual de guerras, sonhos, misérias e terramotos, hoje em dia creio que não iria escapar a fortes doses de pessimismo e frustração. Ora como cada um que tem olhos para ver já deve estar suficientemente abonado desses sentimentos, a relação dos meus seria de benefício e entretenimento nulo, além de que talvez demonstrasse que nem com a vivência de noventa anos se consegue escapar a cegueiras e preconceitos, que a minha visão do mundo, da sociedade e do ambiente em que vivo é sujeita a demasiados abalos do entendimento, o que por vezes me leva a pensar que, já que não posso fechar-me numa concha, mais sisudo será guardar para mim os desapontamentos, oferecer aos que me conhecem e a quem por aqui passa uma imagem desinfectada de raivas e desilusões, mais coincidente com o cliché do que se espera de um ancião.
De maneira que enquanto puder continuarei com os altos e baixos do meu humor, dando notícia das preocupações que assaltam o cidadão que sou, já que as do indivíduo se guardam longe da praça pública