domingo, janeiro 10

A sueca e o pernil

Em terra pequena, e quanto mais pequena for mais isso vale, o fingimento é condição essencial para viver em paz e, a menos que se queira usá-la para determinado fim, má-língua só se pode ter com parceiros de confiança, para não correr o risco de que um descuido resulte em desavença, crie daquelas inimizades que passam de pais para filhos e na versão pior resultam em tragédia.

De poucas falas, até um bocado macambúzio, quando se soube que o Acácio ia emigrar todos esperavam que fosse para a França, deixou-os de boca aberta escolhendo a Suécia. Como nada conta do que lá fez ou por onde andou tudo são suposições, mas as coisas devem ter-lhe corrido de feição, porque além de um Mercedes vê-se que vive desafogado, passa férias no Algarve com a mulher, uma sueca, e todos os meses vão às compras em Madrid.

Como não encontravam ponta por onde lhe pegar, para as alcoviteiras foi uma graça do Céu quando o Sousa do Registo Civil contou que era estranho o Acácio dizer que a mulher se chamava Ana, quando nos documentos o nome dela era Pernilla.

Não foi preciso mais: a alcunha colou de imediato, continuaram o fingimento de tratar a sueca por D. Ana, ele passou a ser o "Pernil", e as coisas talvez tivessem ficado por ali não fosse uma tarde, quando ainda o julgavam por mais uns anos em Paços de Ferreira, verem o Diogo descer de um táxi,

Alto, bem-apessoado, sorriso aberto, palmada nas costas, o Diogo "Dá Cá" voltava da cadeia talvez um nadinha menos expansivo, mas de certeza ainda tão alerta como quando para lá o tinham levado, o olhar irrequieto em busca da próxima vítima.

Melhor conhecedor das almas e da vida do que muito sacerdote ou psiquiatra encartado, refez a amizade com o Acácio, aceitou-lhe as cervejas e os almoços, ouviu dele que na Suécia se ganhava menos mal, mas a sorte grande tinha-lhe saído com a Ana, porque os velhos dela… o entusiasmo com que esfregava o polegar contra o indicador dizia tudo.

Uma tarde em que no café se levantou zaragata porque o Benfica estava a perder contra os suecos e a alcunha do Acácio veio à baila, o Diogo espatifou a caneca de cerveja contra a parede, avisando que quebrava a cornadura ao primeiro que se atrevesse a chamar "Pernil" ao amigo.

Como as ameaças do "Dá Cá" eram a sério aquilo foi remédio santo e durou até um sábado  de Setembro, quando o Acácio foi à GNR participar o roubo do Mercedes e a fuga da mulher, irritando o guarda por não saber explicar o porquê daqueles pontinhos no nome Hildür Pernilla Björklund.