sábado, agosto 15

Três dias de Agosto 1999

Domingo, 29 de Agosto - Por volta de 1330 o sultão Qalawun fundou no Cairo um hospital onde os pobres eram tratados gratuitamente, nada de excepcional dentro do espírito caritativo do Islão. Fora do comum apenas o regulamento, que determinava que os doentes recebessem tratamento até ao dia em que tivessem forças para comer inteiro um frango assado.

 Segunda-feira, 30 de Agosto - A maioria dos convites significa aborrecimento e perda de tempo, são um dos incómodos a que a vida em sociedade obriga. A gente desculpa-se umas tantas vezes, mas finalmente tem de aceitar, e assim me vejo eu numa sala da universidade, em companhia de umas dezenas de pessoas, a ouvir um senhor que fala de um tema que não me interessa.

Além de um monótono tom de voz, o senhor arrasta-se nas explicações, mete-se por transversais irrelevantes para o assunto, faz umas penosas tentativas humorísticas, fita de vez em quando a assistência, a assegurar-se da nossa atenção.

A triste verdade é que ninguém aguentaria aquilo dez minutos, e ele fala há mais de uma hora, sorrindo de vez em quando para dizer que está quase a terminar. Mas não está. Em volta há gente que cabeceia, e eu, para que me não aconteça o mesmo, recordo a história passada com Francisco de Assis Chateaubriand, nos anos cinquenta presidente da Academia Brasileira, e nessa altura já ancião.

As suas funções obrigavam-no a assistir a inúmeras conferências, e numa delas sentou-se uma senhora ao seu lado que, estranhando a indiferença com que ele a encarava, lhe sorriu e disse:

     - Doutor Chateaubriand, nós nos conhecemos!

     Homem de espírito, e repentista de fama, ele retorquiu-lhe:

- Nos conhecemos? Madame, até já dormimos juntos!... Durante a última  conferência.

 

Terça-feira, 31 de Agosto - Nos muitos momentos de desânimo pergunto-me o que adianta recordar, pôr em escrito as coisinhas miúdas que enchem os meus dias. Contudo, é nalgumas dessas miudezas que, mais tarde, descubro uma espécie de conforto. Ou talvez seja antes a resignação de aceitar o que sou, e não lastimar o que não cheguei a ser.