domingo, agosto 9

O espelho da imperatriz

Na opinião do Albuquerque somos poucos os insensíveis ao mistério, ao oculto, às artes mágicas, basta ver a popularidade dos horóscopos, o interesse que despertam os acontecimentos e fenómenos que carecem de explicação.

Ele próprio diz que durante muito tempo se situou a meio caminho entre a crença e a descrença, pois havia alturas em que se sentia como que empurrado a aceitar a intervenção do sobrenatural, mas quase logo a sua formação de engenheiro levava a melhor, e sorrindo do contra-senso prometia não se mostrar tão pronto a deixar-se iludir.

Estamos certos de que assim faria, mas compreendemos também o embaraço que agora o toma. Dá-se o caso que a avó de Michèle só em Abril mandou de Paris o presente que lhes prometera para o casamento, um majestoso espelho que há duzentos e tal anos a imperatriz Josefina oferecera a um antepassado que com ela partilhara a cama, e era desde então a grande relíquia da família.

Por ser enorme e de muito peso teve de vir pessoal competente pendurá-lo, depois deram-se conta que talvez ficasse melhor noutro sítio, mas tinha sido complicado demais e decidiram não lhe mexer, de modo que quem entrava na sala não o via logo e assim se perdia o efeito espectacular.

Conta o Albuquerque que uma tarde, a perguntar-se se valeria a pena a trabalheira e o custo da mudança, ao olhar de relance para o espelho teve a impressão de que, ligeiramente ao lado do reflexo do seu corpo, aparecia esfumada uma outra imagem. Ilusão de óptica, pensou ele, tanto mais que o que julgara ver teria durado menos de um segundo, mas ao dar um passo de lado o fenómeno repetiu-se, julgou mesmo que se esboçava a aparência de um rosto.

Encolheu os ombros, já esquecido do que julgara ver mas irritado com a despesa e as complicações que a mudança iria causar, lembra-se que praguejou qualquer coisa, talvez "Raios te partam!" e não ligou mais ao caso.

Os homens vieram uma sexta-feira à tarde, de novo examinaram, mediram, deram pancadas aqui e ali, fazia-se o que os senhores quisessem mas aquele era o melhor lugar e também a parede mais sólida. Michèle amuou, ele cedeu, os homens disseram que fariam como lhes mandassem, mas só dali a três semanas.

Estavam a dormir quando o estrondo abalou a casa, desceram a correr e era como se tivesse havido uma explosão: do espelho restavam estilhaços, o soalho coberto de cal, tijolos, pelo buraco na parede via-se a cozinha.

Evita encarar-nos e sussurra: - Mal me atrevo a dizer que foi numa sexta-feira treze.