"Terça-feira, 25 de Outubro - Eram fanfarrões e a gente sabia-o, mas mesmo assim sentíamo-nos acanhados, ficava a pairar a dúvida de que talvez possuíssem algo que dramaticamente faltava à nossa juventude. Porque para nós a erecção era um momento frágil, sempre à mercê de qualquer faux pas ou palavra dita a despropósito, que infalivelmente a reduzia a zero. Para eles, não: as suas erecções eram brutamente férreas, as cópulas duravam a noite inteira, os dedos das mãos não chegavam para contar as amantes que tinham, as putas que visitavam, as mulheres casadas que andavam a "preparar."
Estamos num café e ela fala da sua recente visita à Côte d'Azur, da alegria que o Midi sempre lhe causa, da bonomia daquela vida que parece ter o dinheiro e o dolce far niente como principais ingredientes, da sorte que teve ao descobrir lá um pintor genial que dentro em breve irá expor na sua galeria.
Sorrio, bebo lentamente a minha cerveja. Solteira, bem na vida, deve andar perto dos quarenta anos e é atraente porque sabe compensar com charme o que lhe falta de beleza.
A nossa conversa chega a um ponto morto e começo a pensar em despedir-me quando ela dispara à queima-roupa:
- Este mês já fui para a cama com nove amantes. Brancos, pretos, um malaio, um indiano do Kénia.
Não vejo motivo para comentar e ela acrescenta: - E duas mulheres.
Depois conta em detalhe das suas aventuras, das sensações, das técnicas que tem aprendido, de como os asiáticos são mestres no erotismo e capazes de prolongar o prazer horas a fio.
- Horas?
Mais tarde, repensando enquanto espero o eléctrico, vem-me de súbito a recordação longínqua e digo comigo que o mundo mudou, as mulheres mudaram, a fanfarronice tornou-se bissexual."
in Tempo Contado - Diário 1994-1995 - Quetzal 2012