quarta-feira, julho 22

Nunca aprenderão, é genético


"A viagem de Luís Filipe Vieira ao Brasil custou 230 mil euros. O presidente do Benfica fez questão de ir buscar Jorge Jesus ao Rio da Janeiro, num avião de luxo. Trata-se de um jato privado de alcance intercontinental. A capacidade máxima é de 16 pessoas. O avião tem quartos, salas de reuniões e outros espaços que permitem todo o conforto durante as viagens."

Correio da Manhã, 21.07.2020
 ....................
 "Num só mês o preço da tonelada de volfrâmio passou de £ 2.500 para £ 6.000 e o dinheiro chovia, sobretudo nos mais pobres, que tinham sido os primeiros e os mais despachados, por não lhes fazer mossa, nem a sujidade do trabalho, nem os calos das mãos, habituados que estavam a ambos. A burguesia, pasmada e melindrosa a princípio, ainda hesitou, preferiu comerciar o minério; mas quando se começou a dar o caso de alguns pobretanas chegarem a milionários do dia para a noite, os bons burgueses compraram picaretas, imagens de Fátima (que eram garantidas como melhores) e aprenderam a cavar. Alguns levavam a família inteira, "para as crianças se distraírem ", mas os sorrisos de canto da boca não chegavam para disfarçar a ganância nem o medo de chegarem tarde e mal à partilha do bolo.
O delírio vai durar cerca de dois anos, cheios de episódios absurdos, incoerentes, ou de um humorismo cruel, a ponto que se afigura leviandade ou falta de respeito o comparar o volfrâmio ao maná, obra do Senhor.
Os que no dia anterior tinham sido pedintes, só reconheciam como interessantes as notas de mil escudos. Eram com elas que pagavam, mesmo as ninharias, e não tinham paciência de esperar pelo troco. Nunca os lojistas se curvaram tanto em agradecimentos, nunca mais os empregados de café voltarão a receber gorjetas que excediam centenas de vezes o preço das bebidas.
Naquele tempo em que os táxis, além de raros custavam caro, saem da aldeia de Lanhelas quatro recém-milionários que vão almoçar à cidade. Vizinhos nossos. Não vão juntos, mas cada um em seu táxi, "para estarem à-vontade", e chegados a Viana do Castelo sobem ao Grande Hotel Santa Luzia, exemplar de conforto e luxo.
Na sala de jantar põem de lado o menu e ordenam uma refeição pantagruélica, acompanhada a champanhe. A euforia, porém, dá lugar a fúria quando os empregados chegam com o pão. Pão alvo, então o mais luxuoso e mais raro. Recusam-no. Exigem que lhes tragam "pão dos ricos". Chamado o gerente aclaram-se as coisas e é-lhes servido, com o leitão, pão-de-ló, que era esse, segundo eles, o único verdadeiro. E se o hotel queria que continuassem clientes era melhor não contradizer.
O acender cigarros com notas deixara de impressionar, mas alguns caçadores tinham presunção em pôr mil escudos a servir de bucha entre a pólvora e o chumbo dos cartuchos com que atiravam às perdizes.
Houve os que mandaram os tamancos aos patrões a quem tinham servido – desgastados do uso, mas recheados de notas.
A alguns desgraçou-os logo a sofreguidão com que queriam ainda mais. Já não lhes bastava o volfrâmio apanhado com relativo pouco esforço: queriam o ganho sem esforço nenhum. E assim pelas estações de caminho de ferro andavam vigaristas que vendiam aos labregos, não somente o comboio, mas também o direito de cobrar os bilhetes. Outros especializavam-se na venda de carros  eléctricos e autocarros de renda certa e abundante. Houve tolos que compraram máquinas de fazer dinheiro e, descoberto o logro, não tomaram emenda: compraram uma segunda, "verdadeira e garantida."

in Portugal – A Flor e a Foice – Quetzal 2014