sábado, janeiro 4

Os sapatos da Juracy


Se há coisa a que o Pimenta diz ser avesso vem em primeiro lugar o fazer planos, logo seguida da pontualidade, que no seu entender é a marca registada de subalternos e medrosos, pois quem se respeita e sente senhor de si começa por cuidar do próprio interesse, não se dobra à vontade alheia.
Claro que isto é bazófia de café e quem o ouve, se realmente ainda há quem o oiça, nem sequer se apercebe que o palavreado lhe entra por um ouvido sai pelo outro, inclui-o na algazarra do estabelecimento, e se por acaso estiver para aí virado talvez seja capaz de lhe dar uma daquelas cotoveladas que nunca se sabe se são de camaradagem ou prenúncio de zaragata.
O Pimenta pode de facto anunciar o que lhe apetecer, mas houvesse pessoa com quem se pudesse abrir, confessaria que às vezes ensaia aquelas frases diante do espelho, e que o
grande problema da sua vida é nunca ter precisado de trabalhar e viver do que lhe rendem quatro prédios no centro de Guimarães, agora com uma agravante, a desses rendimentos darem à justa para manter a aparência de vida folgada e ao mesmo tempo satisfazer as birras da Juracy.
Os amigos, avaliando pelo nome, julgavam-na brasileira, descobrindo-se depois que nascera em Paris filha de minhotos e baptizada assim pela simpatia que os pais tinham por uma actriz de telenovela.
Entre eles chamam-lhe a “Madama”, sentem um gozo perverso cada vez que sabem das suas extravagâncias e do ritmo a que vai depenando o “Mon chéri”, como ela ternurenta lhe chama.
Anéis de diamantes, alta-costura, férias de luxo nas Seychelles, na Tailândia, e quando tudo parecia correr às mil maravilhas foi a paz de repente ensombrada por causa dos sapatos. Acontece que neste mundo de grandões o metro e sessenta e sete do Pimenta é o seu complexo, dá nas vistas o modo como vai de cabeça erguida, tentando compensar assim a diferença com o metro e setenta e três da Juracy.


Foi um choque quando o beijou, o corpo uma pilha de nervos, e ao tirar da caixa o par de sapatos ele explodiu num berro:
- Que merda é essa? Pra que…- a espumar da boca apontava os tacões de oito centímetros, ela a julgar que fosse pelo que tinham custado, assustada da raiva com que o via espezinhá-los fingiu desmaiar e caiu no chão.
Depois foi ele que a ajudou a levantar-se e deu o lenço para as lágrimas, mas ainda com cara de poucos amigos: - Outra assim vais pro olho da rua!
Acenou com o queixo, ela foi apanhar os tacões quebrados e atirou para o lixo o que restava dos Louboutin de novecentos euros.