Se há coisa a que o Pimenta diz
ser avesso vem em primeiro lugar o fazer planos, logo seguida da pontualidade,
que no seu entender é a marca registada de subalternos e medrosos, pois quem se
respeita e sente senhor de si começa por cuidar do próprio interesse, não se
dobra à vontade alheia.
Claro que isto é bazófia de café
e quem o ouve, se realmente ainda há quem o oiça, nem sequer se apercebe que o
palavreado lhe entra por um ouvido sai pelo outro, inclui-o na algazarra do
estabelecimento, e se por acaso estiver para aí virado talvez seja capaz de lhe
dar uma daquelas cotoveladas que nunca se sabe se são de camaradagem ou
prenúncio de zaragata.
O Pimenta pode de facto anunciar
o que lhe apetecer, mas houvesse pessoa com quem se pudesse abrir, confessaria
que às vezes ensaia aquelas frases diante do espelho, e que o
grande problema da sua vida é
nunca ter precisado de trabalhar e viver do que lhe rendem quatro prédios no
centro de Guimarães, agora com uma agravante, a desses rendimentos darem à
justa para manter a aparência de vida folgada e ao mesmo tempo satisfazer as
birras da Juracy.
Os amigos, avaliando pelo nome,
julgavam-na brasileira, descobrindo-se depois que nascera em Paris filha de minhotos
e baptizada assim pela simpatia que os pais tinham por uma actriz de telenovela.
Entre eles chamam-lhe a “Madama”,
sentem um gozo perverso cada vez que sabem das suas extravagâncias e do ritmo a
que vai depenando o “Mon chéri”, como ela ternurenta lhe chama.
Anéis de diamantes, alta-costura,
férias de luxo nas Seychelles, na Tailândia, e quando tudo parecia correr às
mil maravilhas foi a paz de repente ensombrada por causa dos sapatos. Acontece
que neste mundo de grandões o metro e sessenta e sete do Pimenta é o seu
complexo, dá nas vistas o modo como vai de cabeça erguida, tentando compensar
assim a diferença com o metro e setenta e três da Juracy.
Foi um choque quando o beijou, o
corpo uma pilha de nervos, e ao
tirar da caixa o par de sapatos ele explodiu num berro:
- Que merda é essa? Pra que…- a espumar
da boca apontava os tacões de oito centímetros, ela a julgar que fosse pelo que
tinham custado, assustada da raiva com que o via espezinhá-los fingiu desmaiar
e caiu no chão.
Depois foi ele que a ajudou a levantar-se
e deu o lenço para as lágrimas, mas ainda com cara de poucos amigos: - Outra assim
vais pro olho da rua!
Acenou com o queixo, ela foi
apanhar os tacões quebrados e atirou para o lixo o que restava dos Louboutin de
novecentos euros.