Oiçam, porque ele é que sabe,
esteve lá, não lhe venham com cantigas. O Canadá não é o que dizem, o Canadá
não presta, os nossos aguentam aquilo porque acham que cá é pior, mas não é. A
América sim, aí às vezes é mesmo escravatura, direitos só tem o patrão, se
refilas ou te queixas dão-te um pontapé naquele sítio e goodbye, estás
na rua. Há quem diga que a Austrália é um bocadito melhor, e de facto têm
razão, mas nada que se compare com as plataformas do petróleo ou o Dubai, porque
se os “arábias” são uns merdeiros ali há massa que nunca mais acaba.
Não lhe falem da Inglaterra nem
da Escócia, na Alemanha aguentou dois meses mas não volta a pôr lá os pés, nos
dezoito anos que anda a soldar pipelines como poucos sabem fazer, até na
Grécia trabalhou, o caso é que nunca viu gente tão chata como os alemães, basta
olhar para aquelas cabeças e fica tudo dito.
O Carlos veio de férias,
descanso mais que merecido para quem aguentou cinco meses na África do Sul,
país de que também não quer ouvir falar e aonde nunca voltará, mesmo que lhe
dobrem a paga e hospedem em hotel de luxo, porque sair do táxi e ver um
carapinha que te encosta a pistola aos queixos e quer a carteira, é experiência
que não vai esquecer tão cedo. África do Sul? Vá pra lá quem estiver cansado da
vida.
Com o balcão, seis mesitas,
televisão, os matraquilhos e uma esplanada onde cabem três cadeiras, o café da
Elisabete fará encolher os ombros à gente de cidade que por acaso passe por
aquele buraco de poucas almas e longe de tudo, mas essa impressão logo desaparece
se for altura em que o Carlos lá se encontra numa das suas visitas relâmpago,
pois com espalhafato, a voz forte e aquele
modo de ilusionista, mal começa é como estar num teatro, alguns dizem que se os
da televisão soubessem como o rapaz sabe falar e dos sítios por onde andou já o
tinham contratado.
Esses que o Carlos deixa de boca
aberta com as suas vivências de soldador, mais se espantariam se ele lhes contasse
as vezes que, ainda rapaz, assistiu a orgias nos cruzeiros dos milionários que
querem dar a volta ao mundo em três meses de luxo e grande pândega.
O que acontece é que, sabe-o ele
por intuição e experiência, nem todos os públicos mostram interesse pelas mesmas histórias: os que já
têm querem sonhar com gozos, aos precisados fala-lhes de ganhos. Mas um detalhe
continua a surpreendê-lo, o de que o acreditem, ninguém peça explicações. É
como na política: quanto mais exagera nos benefícios mais eles se deixam hipnotizar.