domingo, janeiro 19

Nótulas (69)



Em meados dos anos 80, quando ele era redactor-chefe do semanário de grande tiragem  Nieuwe Revue, comecei a atentar no que Derk Sauer (1952) escrevia. Em 1989 emigrou para a Rússia e aí se tornou um verdadeiro e improvável media tycoon como se pode ler na Wikipedia.
Os artigos que há anos publica ao sábado no matutino de Amsterdam Het Parool são para mim leitura obrigatória e de certeza a fonte de informações mais fiável sobre a vida, a política e o desenvolvimento da Rússia. 

Um apparatchik cinzento como Primeiro-Ministro

“Vinte anos atrás, quando Boris Ieltsin empurrou um Valdimir Putin para a frente como novo líder da Rússia, eu não fazia ideia de quem fosse. Fui falar com Paul Hofheinz, então meu vizinho e correspondente de Time Magazine, mas também a ele o nome nada dizia. Como não havia ainda Google telefonámos a um e a outro tentando descobrir quem seria esse Putin, chegando à conclusão errada de que seria alguém que ia continuar a política liberal de Ieltsin.
Esta semana todos os “Kremlinólogos” de novo se coçam atrás da orelha, pois de verdade  ninguém esperava um discurso em que Putin anunciasse uma tão profunda mudança do sistema governativo e ao mesmo tempo demitisse o primeiro-ministro Medvedev e o governo. Os comentadores desataram a avançar as mais diversas conclusões, das quais de facto apenas uma é aceitável: ninguém faz ideia quais serão os planos de Vladimir Vladimirovitch. Ele pode demitir-se amanhã ou continuar a governar até que morra.
Nas horas que decorreram entre a demissão de Medvedev e a nomeação do novo primeiro-ministro repetiu-se a confusão de vinte anos atrás. No Twitter circulavam listas de possíveis candidatos, mas nenhum analista mencionava aquele que é agora o novo primeiro-ministro da Rússia, dá pelo nome de Mikhail Mishustin, tem 53 anos e é o patrão da Autoridade Tributária da Rússia. “Um apparatchik cinzento”, li eu algures. O encorpado Mishustin, vestido de fatos mal amanhados, realmente tem todo o aspecto do burocrata soviético, um desses homens que tomam conta da loja. Mas neste caso as aparências são mesmo muito enganadoras. Com a nomeação de Mikhail Mishustin deu um golpe de mestre.
Mishustin é um dos poucos altos-funcionários especializados em tecnologia digital e inteligência artificial. Putin, que nem sequer tem um computador na sua secretária, dispõe agora de um primeiro-ministro que nos últimos anos transformou a Autoridade Tributária russa num paraíso para jovens programadores e techies.
Mishustin introduziu um sistema em que, desde São Petersburgo a Vladivostok todas as caixas e multibancos estão ligados a um computador central, do que resulta que dentro de 90 segundos o fisco está ao corrente de qualquer transacção, seja ela onde for. A inteligência artificial permite ao fisco ser rapidamente informado se uma empresa passa demasiadas  facturas, ou menos do que aquelas que seria de esperar. As fraudes são rapidamente detectadas e as trafulhices com o IVA – desde sempre um grande problema na Rússia – praticamente desapareceram.
O que parecia impensável é agora uma realidade: as declarações de impostos são feitas online e em realtime. O envelope azul já não é preciso. Desde que Mishustin é o patrão as receitas dos impostos dispararam para as alturas.
Creio que ao nomear Mishustin, Putin espera dar uma forte sacudidela aos funcionários e ao aparelho do Estado. Isso permitirá finalmente cortar pela raíz o mal da corrupção e a fraude generalizada.

A falar verdade, a Autoridade Tributária dos Países Baixos bem poderia empregar um Mishustin."
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