sábado, setembro 28

Tudo está nos astros


Com cara de seriedade, a modos de sublinhar que é funda a sua crença naquilo que afirma, o Belarmino costuma dizer que todos nós possuímos uma fé, mas muitos só disso se dão conta em horas de aflição.
Criado numa família nortenha, ainda rapaz deixou de ir à missa, com o 25 de Abril seguiu a moda, foi um esquerdista ferrenho até ao dia em que despertou e também a ele caíram as escamas dos olhos, ao dar conta que na ganância de encherem os bolsos os camaradas não conseguiam erguer o punho.
A desengano foi doloroso, andou anos à deriva, veio-lhe a salvação como que por acaso uma tarde de Julho de 2013. Chamamos-lhe acaso por ignorância, gosta ele de enfatizar, mas o acaso não existe, tudo é predestinado, assim lho provou a turista húngara com quem metera conversa no Rossio, e sem mais nem menos, parecendo que estava a ler a sina, lhe fez revelações que de tal modo o abalaram que quando voltou a si não tinha palavras, só recorda  que a mulher lhe sorriu e com um adeusinho desapareceu.
Esse encontro veio reforçar um sentimento que o tomava cada vez que via na televisão o programa do Professor Marcelo: o de notar neste expressões que singularmente o perturbavam, pois por detrás dos sorrisos e da amabilidade, e até dos gracejos, adivinhava como que um prenúncio de forças que se projectavam para lá dos comentários e das imagens.
Essa a razão por que o vê-lo eleito para Presidente da República não lhe foi novidade, tão-pouco o surpreendeu a extraordinária simpatia de que goza, pois de certa maneira tudo isso estava anunciado.
- Estava nos astros – interrompo eu, fingindo seriedade.
- Tudo está nos astros. O que há…
Aguardei que continuasse, mas ele, franzindo as sobrancelhas e a resmungar como se no íntimo estivesse a discutir com alguém, parecia esquecido da minha presença, terminando por encolher os ombros num gesto de desculpa.
- Há ocasiões… – sussurrou – Longe de mim querer voltar ao passado… Claro que um presidente tem poderes, muitos até, só que esses são insuficientes para enfrentar certas situações, por exemplo quando o povo sofre sem esperança de melhoria. E então? Um ditador? Nem por sombras, embora o que tivemos nem fosse dos piores. Um rei à maneira da Espanha não serve, nem sei se estamos preparados para a monarquia. Por isso às vezes penso numa regência. As Forças Armadas faziam uma barrela, os corruptos iam para a cadeia, o país entrava nos eixos, finalmente tínhamos o verdadeiro 25 de Abril.
- E nomeava-se um regente.
- Logo no mesmo dia.