É lição que depressa se aprende
quando se chega ao que chamam uma idade avançada: evitar o mais possível falar
do antigamente, não fazer comparações entre o agora e o então, e mesmo que a
evidência seja essa, calar o que noutros tempos era precioso e agora deixou de
sê-lo ou simplesmente desapareceu. De bom aviso é também o não cair na
armadilha dos que pedem que se lhes fale de como era no nosso tempo, pois esses
dividem-se em duas categorias: os que ouvem pesarosos as misérias e dificuldades
de tempos idos, mas no íntimo se regozijam de termos sido nós e não eles a
sofrer; e aqueles que põem cara de bom aluno, para de seguida nos censurarem de
não nos termos oposto ou revoltado, e com a nossa passividade e desleixo termos
contribuído para o que actualmente corre mal.
Tempos atrás chamava-se isso o
conflito das gerações, mas na opinião do Zeferino Baptista, setenta anos, três
vezes pai e avô de cinco, não há conflito nenhum, mas dois planetas diferentes,
o deles e o nosso, o que no seu caso se agrava com o facto de a D. Natércia,
esposa, mãe e avó, ter escolhido a modernidade, ultrapassando as duas filhas no
fanatismo das mudanças, submetendo o Nelinho a um constante rezingar para que
se decida a sair do armário, pois quanto mais espera maior é o risco de não encontrar
marido.
Ao mesmo tempo que vai falando,
o Baptista encara-me com a expressão de alguém que, fora o esperar a solidariedade
do interlocutor, tem a certeza que este partilha a cem por cento as suas
aflições e havendo conflito estará do seu lado.
A minha atenção não é fingida,
mas também não posso dizer que com ele concordo, ou o oiço com o interesse que
ele julga despertar com as suas lamentações. O caso é que embora possa ter
alguma razão quando fala de dois planetas, não me pode pôr em nenhum deles, mas
talvez na categoria de extraterrestre.
Isso pelo simples facto de que
cada vez me sinto com menos paciência para aturar o semelhante, os seus argumentos e as suas
certezas. É como se sobre a sociedade tenha caído uma praga bíblica, que melhor
se aceitaria se fosse de gafanhotos, mas é de ignorância, estupidez e birras, uma massa que empurra,
grita, ameaça, exigindo que a oiçam e sem oposição aceitem o seu credo.
Ora como devido à tal idade
avançada que citei já várias vezes assisti a esse filme, sinto algum
desprendimento acerca dos resultados do actual, estou certo que não vai haver autos-de-fé,
guerras, bombas, mortos, ou campos de concentração: só condenações à dieta
vegan.