sábado, setembro 7

São dois planetas


É lição que depressa se aprende quando se chega ao que chamam uma idade avançada: evitar o mais possível falar do antigamente, não fazer comparações entre o agora e o então, e mesmo que a evidência seja essa, calar o que noutros tempos era precioso e agora deixou de sê-lo ou simplesmente desapareceu. De bom aviso é também o não cair na armadilha dos que pedem que se lhes fale de como era no nosso tempo, pois esses dividem-se em duas categorias: os que ouvem pesarosos as misérias e dificuldades de tempos idos, mas no íntimo se regozijam de termos sido nós e não eles a sofrer; e aqueles que põem cara de bom aluno, para de seguida nos censurarem de não nos termos oposto ou revoltado, e com a nossa passividade e desleixo termos contribuído para o que actualmente corre mal.
Tempos atrás chamava-se isso o conflito das gerações, mas na opinião do Zeferino Baptista, setenta anos, três vezes pai e avô de cinco, não há conflito nenhum, mas dois planetas diferentes, o deles e o nosso, o que no seu caso se agrava com o facto de a D. Natércia, esposa, mãe e avó, ter escolhido a modernidade, ultrapassando as duas filhas no fanatismo das mudanças, submetendo o Nelinho a um constante rezingar para que se decida a sair do armário, pois quanto mais espera maior é o risco de não encontrar marido.
Ao mesmo tempo que vai falando, o Baptista encara-me com a expressão de alguém que, fora o esperar a solidariedade do interlocutor, tem a certeza que este partilha a cem por cento as suas aflições e havendo conflito estará do seu lado.
A minha atenção não é fingida, mas também não posso dizer que com ele concordo, ou o oiço com o interesse que ele julga despertar com as suas lamentações. O caso é que embora possa ter alguma razão quando fala de dois planetas, não me pode pôr em nenhum deles, mas talvez na categoria de extraterrestre.
Isso pelo simples facto de que cada vez me sinto com menos paciência para aturar o  semelhante, os seus argumentos e as suas certezas. É como se sobre a sociedade tenha caído uma praga bíblica, que melhor se aceitaria se fosse de gafanhotos, mas é de ignorância,  estupidez e birras, uma massa que empurra, grita, ameaça, exigindo que a oiçam e sem oposição aceitem o seu credo.
Ora como devido à tal idade avançada que citei já várias vezes assisti a esse filme, sinto algum desprendimento acerca dos resultados do actual, estou certo que não vai haver autos-de-fé, guerras, bombas, mortos, ou campos de concentração: só condenações à dieta vegan.