sábado, julho 20

Entre o Céu e a Terra


Algumas amizades vêm de longe no tempo, outras cabem-nos por acaso como a do Manuel Silveira (pseudónimo), que começou por uma discussão na garagem onde eu tinha ido trocar os pneus do carro, e ele, um desconhecido, a argumentar que era perito no assunto, tanto insistiu que me convenceu e escolhi uma marca diferente daquela que sempre tinha usado.
Acabámos por ir ao café, seguiram-se uns almoços, a  intimidade foi crescendo e somos bons amigos, mau grado ser ele ferrenho na visão esquerdista que tem da política, e mostrar-se um assanhado activista de certas causas da apressada modernidade, enquanto eu me inclino para a certeza de que Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Creio que foi em Março ou Abril que se deu no Silveira uma reviravolta, e desde então pouco é o que lhe interessa, parece esquecido do fanatismo político, da pressa que antes tinha de acompanhar as mudanças da sociedade e converter meio mundo.
Pelo que aos poucos vai contando, deve-se isso ao acaso de que ao regressar de uma visita ao tio que vive em Pinhel, ter sentido um estranho impulso de visitar Trancoso, onde nunca tinha estado. Deu umas voltas, descansou numa esplanada a beber cerveja e de súbito, como se uma força o empurrasse, ele, que nunca foi de religiões, entrou na igreja e estava ali parado a olhar em redor, sem saber porquê, quando uma idosa lhe disse que se andava à procura do túmulo do Bandarra era ao pé da porta do lado direito.
Jura que não consegue explicar, porque não fazia ideia de quem o Bandarra fosse, nunca ouvira falar, mas é tanto o que nele mudou que já esteve a ponto de consultar um psicanalista, do que à última hora desistiu, por estar certo de que o que sente não são obsessões mas avisos, verdadeiras mensagens que umas vezes o embaralham por não conseguir interpretá-las, ou o assustam de tal maneira que se pergunta se não será sua obrigação dá-las a conhecer, torná-las públicas.
Por enquanto nem a mulher o sabe, e o que contou ao Barbosa e a mim jurámos-lhe que fica entre nós, só muito por alto podemos aludir a certas profecias, como por exemplo que não é por acaso que Lisboa vai ter um sistema de alarme para tsunamis, que antes do fim do ano  um conhecido político escapará a um atentado à bomba, no céu do Alentejo vão-se dar  estranhos fenómenos, vem aí um escândalo de deixar na sombra os que conhecemos.
Se suspeita que duvidamos, o Silveira atira-nos uma frase que não se cansa de repetir: - Entre o Céu e a Terra há muito que os olhos não vêem!
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Para os que temem o contágio, já foi dito mas repete-se: as crónicas de cada sábado são no mesmo dia originalmente publicadas no Correio da Manhã.