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Os sorrisos são os mesmos, as pessoas continuam a falar-lhe como dantes, uma ou outra diz que o tempo passa depressa, já lá vão dez anos, pergunta se ainda aguenta o trabalho no lar. Depois é bom-dia ou boa-tarde, adeusinho, parece o costume mas há mudança, Matilde tem a certeza de que lhe escondem qualquer coisa.
Não escondem. Ganharam-lhe medo, desde a tarde em que no
café anunciou que o senhor Adriano não durava, e ele faleceu na noite seguinte.
Depois foi a mãe do Fonseca, o tio da Sabina, a avó do Antero, a avó da Mariana.
Quiseram saber se era dom,
e ela tinha-se zangado. Qual dom, qual carapuça, qualquer um podia ver.
Quando os idosos começavam a ficar com as orelhas em ponta, era sinal que nunca
falhava: poderiam aguentar o dia, mas da noite não passavam.
No café, quando ela não está, ainda gracejam, mas dentro
de casa deixou de haver paz. Embora ninguém toque no assunto, involuntariamente
vão os olhos dos novos para as orelhas dos anciãos. E estes, fingindo que não
dão conta nem acreditam no que a Matilde diz, evitam o espelho.
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